Sunday, May 13, 2007

Cordão Umbelical


Cordão umbilical
Aloyzio Achutti. (texto que escrevi em 1999)
(Em memória de Luiza Cechella Achutti, uma homenagem a todas as mães do mundo)
Em tempos quando a genética parece tudo explicar e, quem sabe resolver, no caminho do genoma humano, quando um dos cromossomas já se encontra totalmente mapeado, e as maravilhas da engenharia genética a cada dia que passa já se acumulam, poderia parecer que o papel da mãe fosse o de uma simples estação de troca, num processo em que tudo já viesse predeterminado.
Não é bem assim. O pesquisador inglês David J. P. Barker ensina ser o útero mais importante do que os genes, sugerindo que os destinos são traçados no caminho que vai do ventre ao colo materno.
Sabendo-se da enorme quantidade de genes disponíveis no momento da geração humana - a maior parte deles jamais utilizada - poder-se-ia dizer que, originalmente, nossa chance de sermos todos muito mais parecidos é muito maior. E que a grande diferenciação se faz pela seleção materna, através das circunstâncias nas quais se vive durante o período em que dela se é dependente, de sua nutrição alimentar e afetiva.
A escolha dos recursos genéticos que devem ser ativados ou preservados depende dela, não através de um processo racional e consciente, mas de códigos modulados pelas suas circunstâncias, comportamento e afetividade. Assim se explicam não somente os dotes de cada um, mas também fragilidades e também propensões para doenças.
O pai, em geral entra como contribuinte direto somente na formação do banco genético original, mas depois só indiretamente, na medida de sua influência sobre a mãe.
As teorias satisfazem na medida em que servem para explicar os fenômenos observados, ou para revelar as etapas ocultas dos processos já em andamento, mas a preocupação agora não se restringe à etiopatogenia da ateroesclerose, da cardiopatia isquêrnica, da hipertensão arterial ou da doença cerebro-vascular. Trata-se de pensar na mãe quando se a vai perdendo.
É como se enquanto presente, ela fosse a grande biblioteca na qual se pudesse a qualquer momento buscar nossas referências, mesmo não o fazendo. Agora queimada, só restam cinzas da memória. Do período crítico no qual ela exerceu sua função de matriz não se pode ter consciência, mas encontram-se arquétipos e bem definidas marcas, na cultura de todos os povos, respeitando a mãe, mesmo que não valorizando adequadamente a mulher.
Se a mãe está intimamente ligada à vida de cada indivíduo, está também necessariamente ligada à morte, por ser esta a estratégia básica de renovação e manutenção da vida da própria espécie. Quando ela morre fica bem claro que nossas referências pessoais são temporárias e estão definitivamente perdidas, garantindo a biodiversidade. O projeto da vida vai muito além dos limites da vida do indivíduo e só tem sentido quando integrado no grande projeto humano, de cujo início restam somente mitos, e o futuro se perde no curto horizonte da perspectiva.
É muito provável que ao perambular pelos frios corredores do mundo científico eu esteja evitando mostrar meu umbigo, sinal de uma ligação tão íntima, determinante de minha identidade e de meu caminho. Da ruptura do cordão umbilical restam apenas laços afetivos, além da cicatriz ridícula e que parece não ter sentido nenhum ...

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