Sunday, July 15, 2007

Influenza e Ateroesclerose

Reportagem no Jornal da Universidade sobre artigo em revista internacional da AMICOR Maria Inês Reinert Azambuja
CIÊNCIA
Para Maria Inês Reinelt Azambuja, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, há uma relação direta entre a ocorrência da pandemia de influenza em 1918 e o alto índice de infartos do miocárdio registrado nos Estados Unidos nas décadas de 60 e 70.

Em artigo publicado na edição de abril da revista Perspectives in Biology and Medicine da universidade norte-americana Johns Hopkins, em colaboração com o professor de epidemiologia populacional da universidade de Harvard, Richard Levins, a médica afirma que aquelas mortes não ocorreram por doença isquêmica. A causa real teria sido a infecção pelo vírus da influenza, que gerou uma resposta imunopatológica e resultou em trombose coronária, seguida por morte súbita. “Em outras palavras, aquelas mortes deveriam estar no cômputo geral da gripe espanhola, mas foram creditadas a outras causas por suas manifestações clínicas.”

A professora, que atua junto ao Departamento de Medicina Social, dedica-se ao estudo dos problemas do coração desde 1982, quando trabalhou na Secretaria Estadual da Saúde na prevenção das doenças cardiovasculares. Com mestrado em epidemiologia nos EUA, ela atualmente presta atendimento no Ambulatório de Doenças do Trabalho situado no posto de saúde do bairro IAPI.

“O modo como enxergamos um determinado problema depende muito do momento histórico que estamos vivendo. Quando me formei, em 1976, tive a sorte de acompanhar o período em que a mortalidade por doença isquêmica do coração, que tinha sido muito elevada durante os últimos 30 anos, começava a diminuir”, diz a professora. Por conta disso, Maria Inês acha que pôde levantar questões que a maioria de seus colegas, que desenvolveram seus estudos durante uma fase de aumento desse índice, não teve condições de fazer. “Naturalmente, os médicos daquela época associaram a alta taxa de mortalidade por problemas do coração a fatores como estilo de vida, desenvolvimento da economia e todas as mudanças que acompanharam o aumento da urbanização nos países desenvolvidos. O que fiz foi olhar para esse fenômeno como um evento, comparando-o a uma epidemia, na tentativa de entender não o que provocou a doença em si, mas o que causou essa curva epidêmica.”

Curva decrescente – Na década de 70, quando o número de mortes baixou abruptamente, a epidemiologista passou a perguntar-se o que teria causado tal mudança, uma vez que não houve uma desaceleração dos fatores tidos como causadores do problema. “No primeiro mundo, tentou-se explicar essa queda pela redução dos fatores de risco, como se as pessoas estivessem sendo mais bem tratadas de problemas como pressão alta, consumissem menos gordura, ou recebessem melhor atendimento médico. Porém, minha experiência como especialista em saúde pública me dizia que as intervenções médicas têm pouco impacto sobre o conjunto da população. Mesmo medidas mais amplas, como uma mudança da dieta alimentar não produzem impactos assim tão marcantes a ponto de serem percebidos em termos populacionais.”

Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que, em 30 anos, houve uma queda de 60% na mortalidade por doença isquêmica do coração nos Estados Unidos. Atualmente, apesar de a população norte-americana ter envelhecido muito, esse índice segue baixo. E, no Brasil, conforme o Ministério da Saúde, o número de óbitos também está caindo.

A médica explica que, no início de suas pesquisas buscou as causas para o aumento do índice de mortes por problemas cardíacos no ambiente externo, mas terminou concluindo que era preciso considerar a vulnerabilidade da própria população. “Testei várias hipóteses: a qualidade da população poderia ter sido alterada em função da Primeira Guerra Mundial, que ocasionou a morte dos indivíduos mais saudáveis e a sobrevivência dos não tão fortes. A possibilidade de uma infecção estar relacionada às mortes por doença isquêmica do coração não passava pela minha cabeça. Um dia, deparei-me com um artigo antigo que levantava a possibilidade de infecção na arteriosclerose e percebi que uma infecção poderia ser a causa daqueles índices elevados dos anos 60. Por isso, digo que nossa capacidade de pensar é totalmente determinada pelo momento que estamos vivendo. As coisas podem estar diante de nosso nariz, mas não conseguimos enxergá-las. O paradigma degenerativo era tão forte que ninguém, naquela época, imaginaria pensar em infecção.”

Ao estudar que evento poderia ter sido tão grande a ponto de causar tamanho impacto na mortalidade cardiovascular, a epidemiologista deparou-se com a pandemia de 1918, causada pelo vírus da influenza e popularmente conhecida como gripe espanhola. Na comparação entre as informações daquele período e os dados referentes às mortes nos anos 60, algumas coisas ficaram claras: os sobreviventes do vírus da influenza, que tinham entre 20 e 40 anos em 1918, morreram predominantemente nas décadas de 1950 e 1960 de doença isquêmica do coração.

No artigo que publicou, a médica sustenta que, de alguma maneira, o grupo populacional que sobreviveu à primeira pandemia de influenza em 1918 ficou vulnerável e veio a falecer durante outras epidemias de influenza. “Nas epidemias que se seguiram à pandemia de 1918, houve muitas mortes por doença isquêmica do coração”, conclui.

Doenças do coração estão associadas a velhas crenças
Pandemia deixou vestígios

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