Tuesday, July 31, 2007

Mãe Brasileira

(Artigo Publicado em ZH dia 31 julho 2007)
Mãe brasileira
ALOYZIO ACHUTTI/ Médico

Com a devida licença dos discípulos de Freud e Lacan, e de nossas respeitáveis mães (a expressão popular aqui tem acepção simbólica), algumas considerações apresentadas numa conferência recente de Jean-Pierre Lebrun (na série Fronteiras do Pensamento), também expressas em seu livro Um Mundo sem Limite, podem servir para explicar nossa realidade.Tantas notícias e fatos a nos deixar perplexos cada dia podem ter suas raízes bem mais profundas, plantadas na dinâmica populacional da "grande família brasileira".O filho inicialmente se sente como continuidade da própria mãe, não tendo, portanto, identidade própria e consciência de limite. A figura do pai, apresentando ao filho a noção do outro que não a mãe/filho, é que o traz para a realidade, possibilitando-lhe a descoberta de sua identidade própria, do limite e da responsabilidade.Saímos de uma experiência traumática de autoritarismo (característica mais própria do pai) e caímos numa fase de permissividade e de aparente onipotência porque tudo nos é concedido pelo governo central, num "maternalismo" sem limites (bolsa-família, medicamentos de graça, invasão de propriedades etc.).Voltamos à condição mais primitiva, na qual não se necessita fazer nenhum esforço, nem para conquistar o alimento, eternamente dependentes e deitados em berço esplêndido.É possível que o desenvolvimento de tal filosofia política tenha se baseado na boa-fé, na ingenuidade e até ignorância de muitos de nossos governantes, guindados ao poder por nós mesmos, na presunção de resolver nossos problemas através de uma regressão ao colo ou ao ventre de uma grande "mãe brasileira". - Que fique bem claro: esta expressão é bastante popular e não foi inventada.Caindo na realidade, já é tempo de cada cidadão reconhecer sua própria identidade e ser responsável pelo próprio destino, deixando de ser apenas massa sujeita às manobras.Neste cenário podem-se distinguir três conjuntos bem distintos de atores: um que passivamente aceita e se deleita com a condição primitiva a lhe trazer algumas benesses e ilusões. Outra esperta (explorando a função materna), dela se aproveitando e a sustentando, pela conveniente falta de limites. A terceira (em nosso esquema, no papel do outro) - intencionalmente ignorada ou escondida - utilizada para prover os recursos necessários, que não caem do céu.O governo precisa se aproximar mais da figura paterna se quiser que a população se desenvolva, deixando de ser mero objeto e assumindo a posição de sujeito. Só assim, em nossa pátria amada Brasil, será possível delimitar as responsabilidades, terminar com a impunidade dos aproveitadores, mesmo quando travestidos nas vestes e com gestos de mãe gentil.

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