Tuesday, October 30, 2007

Cesar Victora


(Na série especial de ZH "Mentes Iluminadas" está um AMICOR:)
O mundo de Cesar Victora

O vermelho no mapa-múndi da foto abaixo é a cor do flagelo. Para observadores que o examinam à distância, as manchas e os pontos rubros indicam os lugares em que se consuma a estatística da mortalidade infantil. Anualmente, 10 milhões de crianças de até cinco anos morrem no mundo. O médico, professor e pesquisador Cesar Gomes Victora enxerga além dos pontos no mapa. Vê rostos, dramas pessoais, paisagens e esforços para a reversão dessa realidade. Para Victora, os sinais vermelhos podem se chamar Masanja, Mbuya, Leslie, Abbas, Chowdhuri, Mushtaque, Mam Bun, Ly, Veasna. Victora é cidadão deste mundo de infâncias abreviadas.Os nomes, que Victora foi guardando na agenda, são comuns em habitantes da África e da Ásia. Os continentes concentram a maior parte dos 40 países onde o pesquisador já realizou ou realiza algum trabalho. O gaúcho de São Gabriel, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), chega aos 55 anos ao topo da carreira de cientista especializado em epidemiologia. É consultor do Unicef, o fundo das Nações Unidas para a Infância, da Organização Mundial da Saúde e de outros organismos internacionais.Leciona, como professor visitante, nas prestigiadas universidades de Londres e Johns Hopkins, dos Estados Unidos. Fica de uma semana a 10 dias de cada mês fora do país. Na semana passada, estava no Senegal. Semana que vem, será conferencista em Perth, na Austrália.O cientista conquistou reconhecimento mundial pela originalidade e qualidade das pesquisas e ações que ajudam a salvar vidas de crianças no Brasil e no Exterior. Dedica-se à saúde materno-infantil. É um dos campos da epidemiologia, a ciência que estuda a distribuição das doenças em determinado lugar e os fatores que as provocam. Sua missão prática, sustentada pelas pesquisas, é disseminar conhecimentos, fazer diagnósticos e recomendar e coordenar procedimentos de saúde pública. Seu foco é a realidade e seus contrastes sociais:- Nosso laboratório é a população, a cidade. Em todas as pesquisas que faço, há ricos e há pobres.Victora saiu de São Gabriel aos sete anos e nunca mais voltou. O pai, o coronel veterinário reformado do Exército Fernando Victora, descendente de espanhóis, morou no Rio e em Porto Alegre. Cesar Victora formou-se em Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1976. Era militante de esquerda antiditadura, sem vínculos partidários, e ambientalista. Aos 19 anos, no dia 27 de abril de 1971, participou da assembléia de fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), da qual é sócio-fundador. Na Agapan, editava o jornal Sobrevivência. Em 1977, fez residência em medicina comunitária no Centro de Saúde-Escola Murialdo, no Morro da Cruz, em Porto Alegre, e no mesmo ano foi contratado pela UFPel.Em 1980, começou o doutorado na Universidade de Londres. A tese: a mortalidade infantil é maior em regiões de latifúndio do que na zona do minifúndio gaúcho. Retornou em 1983 e dois anos depois publicou uma pesquisa de impacto mundial sobre a relação entre amamentação e redução da mortalidade infantil. O Unicef divulgou e pediu que se recomendasse às mães: não dêem aos filhos de até seis meses nada além do leite materno. O chazinho de bicos contaminados das mamadeiras provocava infecções e matava.No retorno ao Brasil, assessorou Estados na luta contra a mortalidade infantil e também trabalhou com o colega epidemiologista Fernando Barros na pesquisa chamada Coorte 1982 (veja no quadro). O estudo identificou os 6.011 nascidos naquele ano em Pelotas e passou a acompanhar os que sobreviveram para identificar a relação de doenças com a história de cada um (família, ambiente etc). A pesquisa, propagada pelo mundo, foi a tese de doutorado de Barros, a quem Victora se refere com admiração. Em 1991, a dupla criou o Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, inicialmente com curso de mestrado e depois de doutorado. Foi onde Victora, o primeiro coordenador, consagrou-se como pesquisador e formador de equipes. Em outubro último, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação informou que o centro, que acolhe alunos até do Irã, obteve avaliação 7, a nota máxima. É o melhor dos 31 cursos de saúde pública do Brasil. Ele comemora e mostra nove imagens na parede da sala com fotografias que fez de crianças de Bangladesh, Camboja, Rússia, Tanzânia, Laos, Cazaquistão, Bolívia, Quirquistão e Somália. E conta que o filho, Gabriel, 30 anos, faz doutorado em imunologia na Universidade de Nova York, e a filha Júlia, de 25, estuda Medicina na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em Porto Alegre. Os filhos e os alunos do centro vão herdar os cuidados com o mundo de Cesar Victora.( mailto:%20moises.mendes@zerohora.com.br )MOISÉS MENDES
O reconhecimento
Para Cesar Victora, pesquisa só tem sentido com aplicação prática. Tudo o que sai do Centro de Pesquisas Epidemiológicas tem utilidade. São centenas de estudos. Um dos mais divulgados mundialmente é a Coorte 1982. Acompanha desde 1983 os 6.011 nascidos em Pelotas em 1982. Coorte é um grupo de pessoas com algo em comum em determinado período. A pesquisa identifica as condições, desde as intra-uterinas, até alimentação e ambiente - dados pessoais, familiares e socioeconômicos - e tenta estabelecer a relação com doenças na adolescência e na idade adulta. Das 6.011 crianças, 97 morreram ao nascer ou logo depois. Outros morreram ou se mudaram ao longo da pesquisa. Sobraram 4,5 mil. Periodicamente, são visitados para que se avalie, por exemplo, os efeitos da subnutrição na infância. Outro exemplo: os danos que o filho herda de uma mãe fumante. Os dados orientam ações de saúde pública. Este ano, haverá coleta de DNA, para que também se avalie os fatores genéticos.

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