Saturday, June 06, 2009

Doenças novas

Publicado na ZH de hoje 06 de junho de 2009 | N° 15992

ARTIGOS

Doenças novas, por Aloyzio Achutti *

Enquanto o Exmo. Sr. ministro da Saúde falava sobre a dita gripe suína, ele, com justo orgulho, dizia que tudo estava preparado para enfrentar as doenças novas.

Sem desmerecer todo o esforço de mobilização para rastrear e controlar este problema de saúde pública, é de se perguntar sobre o que está sendo feito com as “doenças velhas”... As doenças crônicas não incomodam mais, já são de costume e, quem sabe, alguém esteja até “se lixando” para elas (como disse o deputado sobre a opinião pública).

As velhas e crônicas: cardiovasculares, câncer, respiratórias, nutricionais e metabólicas, doença mental e violência causam muito mais morbidade e mortalidade, dano social e econômico, do que qualquer “doença nova”, incluindo-se a aids (nem tão nova assim). Também não se fala quase que os primeiros a morrerem das “novas” são os portadores já fragilizados pelas “velhas”.

Parte da atitude paradoxal pode estar na presumida origem das doenças. As novas têm sido relacionadas com os porcos, bugios, macacos, galinhas, aves migratórias e mosquitos. Têm origem no México, na África ou na Ásia. As crônicas têm-se consciência de que são fabricadas pelo próprio homem em busca do desenvolvimento, com seu comportamento individual e coletivo. É mais fácil se mobilizar contra um inimigo aparentemente externo do que arrumar a própria casa.

Sobre as “doenças novas”, o olhar tem sido ingênuo e de curto alcance, satisfazendo-se com o vetor e o hospedeiro, sem uma preocupação maior com toda a rede causal que está por trás. Pouco se fala sobre a responsabilidade humana na utilização da tecnologia para acelerar a produção e aumentar a lucratividade, ao se criarem porcos e galinhas em massa, industrialmente, com rações artificiais, cheias de agrotóxicos e hormônios e manipulação genética. Também não se tem feito grande progresso no controle do clima, do desmatamento, da invasão e destruição dos ecótopos naturais onde o equilíbrio se estabelece.

Da mesma forma, satisfaz a conformidade fatalista de que aconteceu um infarto, um derrame, ou que alguém foi acometido de câncer, ou enlouqueceu. Não se questiona por que e como se chegou a esse ponto e o que é possível fazer para reduzir ou evitar as verdadeiras causas determinantes do mal.

Já foi demonstrado, inclusive em nossa cidade, que todos os males de saúde, os velhos e os novos, ocorrem muito mais (três a quatro vezes) na população marginalizada, em permanente contato com os mais privilegiados e com os quais se entrecruza para servir. Entretanto, enclaves de grande desigualdade social são aceitos como naturais e crescem nas cidades, com gente sem a educação necessária e sem perspectiva de vida. Não basta dispor de profissionais, tecnologia e remédios. Cidadania e solidariedade são essenciais na construção de uma rede de defesa eficaz contra “doenças novas e velhas”.

*MÉDICO

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