Wednesday, October 16, 2013

De médicos e economia

Artigo| De médicos e economia

16 de outubro de 20130
O incentivo ao consumo em geral não tem limite, e termina não sobrando nada para investir na prevenção
ALOYZIO ACHUTTI*
Médicos, somos tradicionalmente preparados para aliviar sofrimento e cuidar de pessoas doentes, buscando a cura quando possível, sem provocar danos adicionais. Aprendemos também ser preferível prevenir, cortando o mal pela raiz, detendo ou retardando suas consequências. As causas das doenças, entretanto, estão geralmente relacionadas com as experiências de vida das pessoas: com educação, ambiente, nutrição, saneamento, habitação, trabalho, transporte, segurança, estresse e perspectiva de vida. Como se pode ver, nada disso se compra em farmácia, nem se consegue transfundir em hospital, mas médicos podem ajudar a identificar os componentes da rede causal. Embora as doenças exijam assistência do sistema, seus determinantes se situam predominantemente fora do setor saúde, e cada vez mais distantes de nosso receituário e alcance profissional.
A figura do médico se confunde com o sistema de saúde, no qual temos papel crítico, mas não único, nem onipotente. Nossos honorários e salários representam muito pouco nos altos custos do sistema, envolvendo inúmeros outros atores, recursos governamentais, privados e do próprio bolso do paciente, diretamente proporcionais à extensão da cobertura e à qualidade pretendidas. Esta complexidade se acompanha de progresso técnico-científico e eficiência, mas oportuniza conflitos de interesse que terminam se refletindo na imagem do médico.
Sempre coube ao médico a difícil tarefa _ se não impossível de um todo _ de compatibilizar interesses do paciente com as normas científicas e os próprios interesses profissionais. Hoje tudo se mistura com pretensões de instituições securitárias, intermediárias e empregadoras de trabalho médico, lucro da indústria de equipamentos-farmacêutica-hospitalar, sem falar da utilização político-partidária da assistência com propósitos eleitoreiros.
Durante algum tempo, se imaginou ser mais econômico e suficiente dar assistência básica (para não falar em simplificada) a um número maior de pessoas, mesmo sem tentar, na mesma medida, solucionar os determinantes que impactam no desenvolvimento humano e qualidade de vida: dentre os quais saúde é um dos componentes e não um objetivo em si mesmo.
A promoção da saúde e a prevenção de doenças projetam-se no futuro à semelhança do investimento no domínio da economia, da mesma forma como a assistência se equivale ao consumo. Tanto em economia quanto em saúde, ambos são necessários e precisam ser seriamente considerados de forma balanceada, mas independentes. O incentivo ao consumo em geral não tem limite, e termina não sobrando nada para investir na prevenção.
Vale lembrar um parágrafo de um dos mestres da epidemiologia (professor Geoffrey Rose): “Quem é responsável? É claro que médicos têm somente responsabilidade limitada pela saúde da nação. Nosso papel, bem como o papel da educação em saúde, não é manipular, mas informar, guiar, desafiar e apoiar. É relevante considerar o papel de outras forças mais importantes. Médicos são conselheiros treinados na sociedade, mas não são responsáveis por suas escolhas”.
*Médico

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