Sunday, January 04, 2015

OTIMISMO

Artigo enviado para ZH na última semana e não publicado. Dedico-o aos meus AMICOR

OTIMISMO
Aloyzio Achutti. Médico.

Não sei bem se por um arquétipo naturalmente destinado a nos afastar do perigo, ou se um traço cultural adquirido e fomentado pela mídia, mas parece que temos mais sensibilidade para o desastre, para acontecimentos ruins da vida, do que para a beleza do quotidiano.
Temos mais medo da doença do que apreciamos a saúde. Reagimos muito mais quando roubados do que nos entusiasma o investimento no futuro.
Nós médicos também temos tendência de contemplar todo mundo como doentes reais ou potenciais. É possível que a distorção se origine na demanda de serviços, pois quem nos procura geralmente tem algum achaque ou está com receio de adoecer. Falamos muito em fatores de risco, e utilizamos muito mais índices de mortalidade do que  de natalidade, expectativa de vida e promoção da saúde.
Há uns vinte anos, quando se começou a medir a saúde da população pelos anos de vida saudável perdidos, questionei por que não se usava o inverso, ou o potencial de anos de vida saudável remanescente. Tentou-se explorar o capital ou a reserva de vida saudável (HALYS - Health Adjusted Life Years) mas, na prática, não pegou.
São os desastres, a violência, a droga adição, os assassinatos,  as espécies em extinção, a corrupção, a roubalheira, a desonestidade, a politicagem, as desavenças, as guerras e as maledicências que dominam as manchetes e nos chamam atenção. 
A convenção da virada do tempo também pode servir para mudar nossa perspectiva.
Felizmente a imensa maioria da população, no mundo todo, tem saúde. Sob o ponto de vista individual também, em geral, a maior parte da vida é bastante saudável em qualquer condição que se considere. A vida é extremamente frágil e se extinguiria se um mínimo de equilíbrio não se mantivesse. Esta própria fragilidade é uma defesa seletiva para preservar a continuidade e a qualidade da vida.
Guardei como sendo de autoria de Miguel Unamuno (mas não consegui confirmar) os versos que nos convidam a contemplar um roseiral em flor: Se num dado momento compararmos o número de rosas com o de espinhos, veremos que os últimos predominam; mas o poeta nos convida também a contemplar o jardim durante toda sua existência, para constatar que ao longo do tempo, poderemos contar mais rosas do que espinhos.
Enquanto tivermos chance de viver um pouco mais, e contribuir para o projeto humano, cujo limite se perde de vista, é preciso celebrar a saúde e a honestidade da maior parte da população, e confiar na potencialidade de nossa gente (até no futebol, apesar do 1x7). Vale a pena produzir e usufruir a vida, confiando na colaboração solidária, sem perder o controle, essencial para evitar o vazamento ou desvio de nossas riquezas e anulação de nossos sonhos....

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