Sunday, March 19, 2017

Mercado

MERCADO
Artigo enviado para o jornal ZH, mas que não tenho esperança que publiquem
Aloyzio Achutti, médico.

Embora se deposite fé no mercado como incentivador do progresso, a partir do fomento da competição, e de novas oportunidades para o desenvolvimento humano, algumas considerações relevantes podem ser elaboradas em torno desta palavra chave.
Costuma-se dizer que vivemos numa sociedade de mercado, regulada por suas próprias leis.Tudo e todos são vistos como produtos negociáveis, e todo o mundo tem seu preço, dependendo da oferta e da procura...
A propaganda  - um dos instrumentos mais importantes neste domínio, maquia o produto, fabrica ilusões, cria necessidades, estimula a demanda e aquece o comércio. Fantasiamos sobre nosso poder de  regular o mercado e inibir o abuso através do estado, da força policial, de argumentos racionais e controle social. A propaganda visa a emoção, induz reações contagiosas de comportamento que se  tornam moda e se incorporam à cultura. Silencia o senso crítico e favorece a tolerância. Com a valorização do livre arbítrio achamos que cada um se determina por si só, e faz a melhor escolha depois de proceder uma análise criteriosa e independente. No mercado, entretanto, o que impera é a vantagem, não perder a chance, e tirar sempre o maior proveito possível. A responsabilidade dos vendedores fica diluída e compartilhada por uma multidão de compradores e fornecedores interessados.
Quando se analisa o comportamento abusado dos aproveitadores facilmente se esquece.a enorme e emaranhada rede que  vem antes e depois.
É mais fácil examinar o assunto através de exemplos que nos chocam: achamos que o latrocínio seja exclusivamente caso de polícia para submeter o ladrão, mas há toda uma rede de receptadores, de vendedores e compradores baseados na lei do mercado a sustentar e alimentar o caso isolado que vai para as manchetes de jornal, ou só aparece quando há briga de bandidos, e se torna manifesta a existência das gangues.
A corrupção política segue a mesma esteira, e seu alarde serve para facilitar a troca de poleiro, e para distrair das vantagens distribuídas para pagar o pedágio e comprar o silêncio e aliviar as consciências da enorme rede causal beneficiada - cada um com pequena parcela de responsabilidade.
A mesma desculpa do mercado é adotada pela bandidagem nas ruas e nas estruturas sociais, e se prolongam em alternativas intermediárias com foro cultural ou de pesquisa científica. Comércio informal de peças de carro, de joias e obras de arte, até empreendedorismo com aparência saudável, pode servir para lavar dinheiro e para aplicar o que é sequestrado do dinheiro público via propina, superfaturamento ou impostos.
A ocultação, a mentira e a desculpa esfarrapada são as formas mais primitivas de roubar. Faz-se necessário um boa, honesta e descomprometida contabilidade para ver se o que vaza ou  escapa pelo ladrão não se equivale ao desequilíbrio das contas públicas, servindo como argumento para transferi-la novamente por via “legal” para quem nada tem a ver  com a roubalheira.
Algumas práticas alcançam até a política, onde parlamento e governo, negociam decisões sérias sobre o bem público como se fosse mercadoria.

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