Sunday, March 25, 2018

A Saúde e o Código Jedi

A Saúde e o Código Jedi
Cartaz de anúncio da Palestra                 Recebeu por mim (29/11/2012) homenagem
                                                              da Sociedade Brasileira de Cardiologia Pediátrica
Assisti  no dia 21/03/2018 pela manhã a aula inaugural da FAMED/UFGRS com palestra da Dra. Lúcia Campos Pellanda, Reitora da FUFCSPA e fiquei muito feliz por encontrá-la, ouvi-la, e rever muitos outros colegas que há tempo não via.
A Reitora é filha de um colega (Dr. Luiz Ernesto Cabral Pellanda) de turma (1960) de minha esposa Dra. Valderês Robinson Achutti. Tivemos várias experiências em comum em Cardiologia Pediátrica e em Epidemiologia. Foi grande divulgadora da teoria da determinação pré-natal da saúde e doenças do adulto do saudoso David Barker.
Fui assistir a palestra preocupado com a possibilidade de não compreender tudo por não ter assistido o filme origem do título e da ideia, embora muita informação tenha me chegado indiretamente desde 1977 pela repercussão que teve a série Star Wars.
É rotulado como uma franquia, na linguagem mercadológica, com alto valor comercial, pela popularidade do nome, utilizado em inúmeros produtos.
Fui para a conferência pronunciando Jedi aportuguesado, sem o acento final soando “ai”.
Nossa conferencista foi muito feliz na sua elegante apresentação, pois não tive dificuldade nenhuma de compreender sua mensagem, mesmo não tendo visto o filme. Fiquei pensando até que o Código Jedi possa ser algo muito mais profundo, quem sabe inato, e não apenas uma expressão de ficção literária.
Provocado pelo que assisti, tentarei registrar a seguir alguns dos pensamentos que me afloraram.
Procurei agora na Internet mais informações para completar o contexto histórico do fenômeno.

Código Jedi
Não há emoção, há paz.
Não há ignorância, há conhecimento.
Não há paixão, há serenidade.
Não há caos, há harmonia.
Não há morte, há a Força.


É um código de conduta, na tentativa de obter e manter equilíbrio e conter reações de comando emocional, que podem ser gerar doenças e que comprometem o relacionamento humano e social. Pode-se encontrar explicações no controle do Estresse e na Teoria de Barker.
Já pode-se ver que nessa tentativa de definição usei a visão negativa, mórbida. É difícil exemplificar a vida com saúde, recorre-se frequentemente à inexistência de doença. Deve ser como se para definir vida, tivéssemos que nos referir à ausência de morte...
Em contraponto com o misticismo, busca-se a verdade, mesmo sabendo-se da insegurança em alcançá-la, motivando uma excursão pelos difíceis caminhos da evidência científica.
Um dos assistentes fez um comentário sobre a tendência de nossa profissão de focar a doença, ignorando que a maior parte da humanidade, e da extensão da vida de cada um, é saudável.
A opção por enfatizar a doença cria um clima defensivo, onde predomina o medo e leva à agressividade (estresse), frequentemente com consequências deletérias e não justificadas frente às desculpas de segurança e desproporcionalidade com potenciais riscos e ameaças.
Como nós médicos somos responsáveis por tratar doentes e cuidar de pessoas que sofrem, tendemos a generalizar, contaminando toda nossa relação com gravidade e dor.
É bem provável que a conferencista por sua experiência com a epidemiologia e o interesse pela fase pediátrica onde o proporção de saúde é superior à de outras fases da vida (cardiologia pediátrica) tenha desenvolvido a percepção de que a maior parte da população é saudável.
Conversando com outra colega, Profa. Maria Inês Reinert Azambuja, ela vem ultimamente elaborando a ideia de que a função do médico deva ser mais restrita ao tratamento da doença, não tentando interferir com a saúde, insinuando que a extrapolação está relacionada com interesses escusos da Indústria médico-farmacêutica, interessada em estender o consumo de seus produtos.
Encontrei também Professor Danilo Blank com o qual tive contato na Santa Casa no início da década de 70 e cujo depoimento me fez pensar que além da falta de comunicação e perdas de oportunidade de trocas dos médicos com seus pacientes, também o mesmo acontece na relação entre professores e alunos. Os professores principalmente, perdem oportunidade de aprender com seus alunos.
Lembrei-me de outro amigo Dr. Alan Lopez, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do conceito da Carga Global das Doenças (Global Burden of Diseases ou Disease Adjusted Life Years Lost - DALYS) hoje prestigiado método de medir e descrever a morbidade em nível populacional. Na década de oitenta quando eu ia frequentemente a Genebra, ele me mostrou nas paredes de seu escritório na OMS os gráficos e dados ainda em elaboração. Fiz muito uso da metodologia, e quando convidou-me - aí pelo final da década de noventa - para um simpósio em Vancouver para discutir o tema, comecei a pensar em porque medir somente o lado negativo, e não tentar medir a Reserva de Saúde da População. Apresentei-lhe um esboço ao qual ele sugeriu algumas correções estatísticas, e meses depois publicou  um artigo sobre (Health Adjusted Life Years  - HALY, uma estimativa global ajustada dos anos potenciais de vida). Em vez de contemplar os anos perdidos (DALY’S) olhava para a reserva potencial. Esta  nova visão não pegou, e tem sido pouco usada, provavelmente pelo mesmo motivo que procuramos dar ênfase aos aspectos negativos.
Isso tudo pode ter a ver com o instinto de morte do Freud, e com uma necessidade ancestral de se proteger para preservar a espécie.
Há bastante tempo me convenço do acerto estratégico da natureza em dispor da morte na história natural da vida para assegurar a renovação e o expurgo dos inevitáveis erros que vão se acumulando na matriz vital.
Assim a morte (e por extensão a doença que em geral a precede) não deveria ser considerada como algo errado e triste, mas como uma etapa necessária numa visão evolutiva, onde a preservação da espécie se sobrepõe aos valores - que poderíamos rotular como egoístas - de cada indivíduo.
Como digressão seria possível elucubrar também sobre nossa reação frente ao comportamento predador inter-espécies, quando nós mesmos nos valemos ao nos alimentarmos de outros seres vivos, das mais variadas espécies e reinos. As cadeias alimentares na natureza têm aspectos que podem ser vistos como chocantes, mas que são essenciais para a existência da vida. Há formas mais suaves, de simbiose ou parasitismo quando comensais se acomodam e encontram modus vivendi de interesse comum. Por aí vai o microbioma, o microbioma do microbioma, nossas próprias mitocôndrias que teriam sido incorporadas desde os primórdios, facilitando assim fonte energética para formas mais evoluídas de vida.
Como compatibilizar a característica predatória dentro do código Jedi quando passamos do plano apenas da relação interpessoal para um nível mais global?
Numa aula inaugural do Curso de Pós-graduação em Epidemiologia há alguns anos Bruce e Maria Inês Duncan me convidaram e eu escolhi dar início à apresentação a partir do conceito de Saúde como equivalente a Equilíbrio.



Acho que me alonguei demais nesse texto, mas o assunto me empolga e terei que dar continuidade noutro momento e local.

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