O Jornal Mente Corpo do Dr. João Mariante publicou em fevereiro 2017, pag.08:
Mente/Corpo
Há algum tempo publiquei um artigo com o título “Afinal, quem somos nós?” tecendo considerações sobre composição de nosso corpo, interação e trocas com o meio ambiente e duração de nossos componentes físicos, sabendo-se que ao final de um ano nos restam muito poucos átomos e moléculas do início, pois quase todas foram renovadas ou eliminados neste período. Mais perplexos ainda ficamos quando nos damos conta que temos no mínimo dez vezes mais bactérias em nossos aparelhos digestivos do que o trilhão de células de nossos corpos. Servimos como ecótopo de nosso microbioma e dele dependemos para muitas de nossas funções vitais, essenciais na digestão de tudo quanto introduzimos pela boca, inclusive com permanente fonte e troca de material genético. Sem nossa população de microorganismos não conseguiríamos sobreviver. Remontando a nossas origens, como eucariotas não passarmos de formas de vida evoluída a partir desses sócios que nos antecederam por muitos milhões de anos nessa terra. Dizem que até nossas mitocôndrias - centrais energéticas celulares - não passam de bactérias simbiontes que descobriram uma estratégia para compor seres mais complexos, dando-nos origem.
No século passado eu já havia escrito um artigo singelo para um boletim de nossa Faculdade de Medicina da UFRGS com um título mais ou menos assim “Nós, como indivíduos, somos uma abstração”, considerando que não aparecemos por geração espontânea, e não conseguiríamos sobreviver senão em comunidade e íntima interação com o meio ambiente.
Paralelamente à nossa realidade física, sempre me impressionou o desenvolvimento cultural, a memória coletiva, a eloquência da poesia, da arte e a capacidade e a importância da comunicação pela palavra, gestual ou mímica silenciosa.
Fiquei muito feliz quando descobri um livro recém lançado de um psiquiatra americano Daniel J. Siegel “Mind. A Journey to the heart of Being Human” pois assim como consegui compreender que nosso corpo isoladamente é uma abstração, e que dependemos da extrapolação de nossa individualidade física momentânea, assim também nossa mente não cabe em nosso cérebro, a ponto de podermos dizer que não nos pertence, mas nós é que participamos sim, de uma mente coletiva que extravasa de nossos corpos.
Nossa mente, pelo que conhecemos, como consciência, memória e sentimentos, não é simplesmente um produto, como uma secreção de nossos cérebros. Assim como nossos neurônios se comunicam e elaboram o pensamento, assim nos comunicamos com a elaboração dos neurônios de nossos circunstantes, incorporamos, rejeitamos, fazemos trocas, usando recursos da linguagem sensorial. Nessas trocas, no diálogo, na comunicação, conseguimos progredir mais rapidamente e com novos ou reforçados elementos, numa elaboração coletiva e interativa, assim como as bactérias essenciais para o aproveitamento dos alimentos ingeridos.
Fácil entender que tal processo vem evoluindo, depende da comunicação com nossa mãe, familiares e outros circunstantes próximos ou distantes, no espaço e no tempo, com quem interagimos, bem como a memória que vem sendo acumulada e depurada desde toda a existência humana.
Desde que descobrimos nossa identidade caímos na ilusão de sermos desvinculados, que nossas mentes e nossos corpos são independentes e circunscritos individualmente, e que o mundo começa e termina em nós mesmos...
Há anos no Hospital de Clínicas o psiquiatra argentino Schiosa afirmou a uma perplexa repórter: "El câncer es uma Idea. Nosotros somos un Programa".
ReplyDeleteHá cada ter meses passa um rio em nosso corpo e o que resta é a ideia de nosso programa, mutável. Abraços