Acaba de ser concluída a cartilha brasileira de prevenção das doenças cardiovasculares em crianças e adolescentes. É a primeira vez que se estabelece quais os parâmetros ideais para a população infanto-juvenil controlar os fatores de risco para infartos e derrames. Com divulgação prevista para esta semana, durante um congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o documento traz recomendações sobre peso, pressão arterial, colesterol, atividades físicas, alimentação e níveis de açúcar no sangue. Até agora, alguns médicos aplicavam aos jovens as mesmas diretrizes destinadas aos adultos. Outros adotavam normas estrangeiras – que podiam ser tanto americanas quanto dinamarquesas ou canadenses. A falta de consenso comprometia o diagnóstico e o tratamento dos males que predispõem a infartos e derrames. "A partir de agora, os médicos brasileiros contam com uma ferramenta bastante precisa para preservar a saúde cardiovascular futura dos meninos e meninas de hoje", diz o cardiologista Bruno Caramelli, diretor do departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia e um dos autores da cartilha.
Criado pelas sociedades brasileiras de cardiologia, pediatria, endocrinologia pediátrica e hipertensão, o documento tem por objetivo conter o avanço de distúrbios tipicamente adultos entre meninos e meninas. A vida sedentária, as dietas gordurosas, a obesidade e o stress estão fazendo com que males como a hipertensão, o colesterol alto e o diabetes comecem a manifestar-se ainda na infância. "Se não controlarmos esse quadro, em menos de três décadas não haverá hospital disponível para abrigar tantos infartados", diz a pediatra Isabela Giuliano, pesquisadora do Instituto do Coração, em São Paulo. Estudos baseados na necropsia de crianças vítimas de morte inesperada mostram que, apesar da idade, algumas apresentavam artérias repletas de estrias, sinal da agressão sofrida pelos vasos sanguíneos e indício de problemas cardiovasculares no futuro. Um desses estudos, publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, em 1998, revelou que quase 30% dos meninos e meninas de 2 a 15 anos já tinham as artérias coronárias e a aorta comprometidas.
Estabelecer os níveis ideais de glicemia, colesterol, pressão arterial ou peso para crianças e adolescentes não é tarefa simples. Um bom exemplo é o colesterol. O perfil lipídico de um homem de 40 anos, por exemplo, pode ser muito semelhante ao de outro vinte anos mais velho. O mesmo não acontece, porém, entre um garoto de 1 ano e outro de 5. Até os 2 anos, o colesterol tende a ser abundante na circulação, já que é matéria-prima para a produção de GH, o hormônio do crescimento, e para a maturação dos neurônios (veja quadro). Embora seja mais fácil mudar hábitos de vida de crianças e adolescentes, pelo fato de que ainda não estão tão arraigados, isso exige estratégias de convencimento e educação que devem envolver pais, educadores e médicos. "Não basta dizer a uma criança que o consumo exagerado de gordura pode fazer mal às suas artérias", diz a pediatra. "Mesmo que ela se convença, é provável que se sinta constrangida ao chegar à escola com um sanduíche natural."
Há cerca de dois anos, quando Djeneffer Cris Antero, hoje com 13 anos, recebeu o diagnóstico de colesterol alto, sua mãe até tentou mostrar-lhe o perigo que isso representava. Em vão. A garota continuou preferindo doces e frituras a frutas e verduras. Também não se incomodou em se engajar numa atividade física. Recentemente, Djeneffer descobriu que também sofre de diabetes tipo 2. "Agora eu me assustei de verdade. É muito chato não poder comer o que quero, quando quero, mas vou fazer de tudo para me cuidar." Vale a pena, em nome de um coração saudável por muitos anos.
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