Artigo meu publicado pelo jornal Zero Hora.
05 de fevereiro de 2008 | N° 15501
Artigo
Esquizofrenia?..., por Aloyzio Achutti *
Dissociações conflitantes entre comportamento, afeto e conhecimento levam a desconfiar da saúde mental. A associação de delírios, surtos de agressividade e atitudes extravagantes e de risco, pode contribuir para um diagnóstico específico de esquizofrenia, mesmo em pessoas aparentemente normais em alguns momentos de suas vidas.
A cultura é a expressão de um cérebro coletivo - incluindo os nossos - assim como a junção dos neurônios compõe um cérebro individual.
Nosso desenvolvimento científico, tecnológico e artístico, com tantas conquistas e realizações maravilhosas, só fazem aumentar as dúvidas com relação à saúde mental de nossa sociedade, quando pareados com a violência, adição ao álcool, fumo e outras drogas, sexo irresponsável, comportamento de risco, desigualdade social, culto de fantasias e delírios coletivos.
Apregoamos o amor e a solidariedade, mas apreciamos a briga, a disputa e a guerra. Sabemos dos malefícios do abuso do álcool, e até organizamos campanhas e estabelecemos legislações restritivas, mas fazemos propaganda adoidada e altamente sugestiva do consumo de cerveja e de outras bebidas. Com relação ao fumo também nosso comportamento continua ambivalente: tentamos controlar o seu uso, mas apreciamos seus lucros. As outras drogas, embora oficialmente proscritas, continuam embalar nossas festas. A função básica destinada à perpetuação da espécie tem sido cada vez mais explorada irresponsavelmente, a ponto de ter se tornado um instrumento de transmissão de doenças. Nossos heróis têm sido aqueles que se arriscam para além dos limites toleráveis pela natureza. Nossas riquezas pouco têm servido para equilibrar o desenvolvimento humano e social. Muitos recursos midiáticos tem se dedicado ao fomento da fantasia alienante. Os rituais que têm reunido maiores massas abusam de técnicas que levam ao delírio coletivo.
Houve época em que os indivíduos alienados eram encerrados em manicômios com o pretexto de escondê-los ou de proteger a sociedade. Hoje temos especialistas e drogas que podem controlá-los. Entretanto, não aprendemos ainda a assumir o diagnóstico social, particularmente daqueles desvios somente perceptíveis quando examinados coletivamente.
Ou será que nossa insanidade chega ao ponto de priorizar o lucro auferido explorando as fragilidades do ser humano, e do sucesso conseguido com a captação de clientela cativa através dos mecanismos de dependência psicológica e física?
Ao mesmo tempo em que vasculhamos a biologia de cada indivíduo em busca da explicação para o que nos deixa perplexos, não podemos nos distrair e perder a perspectiva do macro onde se constrói em grande parte a doença, onde ela se monta, e do que ela se alimenta.
Enquanto pessoas mais centradas tentam cuidar dos desviantes, nosso grande dilema é conseguir que uma sociedade esquizofrênica cuide de si mesma...
* Médico
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