ARTIGOS
Em tempos da gripe, por Aloyzio Achutti*
Perigos e perdas podem ser mais educativos do que tempos de bonança.
Esta epidemia de gripe está nos ensinando hábitos de civilidade e higiene não incorporados em nossa cultura: espirrar e tossir no lenço, evitar ambientes restritos e contato muito íntimo, manter as mãos limpas e lavá-las com frequência, cuidar com as portas de entrada mais frequentes (boca, nariz e olhos), procurar mais precocemente assistência médica...
Pode-se notar também uma evolução favorável, tanto por parte do cidadão comum quanto dos profissionais da saúde, comprometendo-se no que se costuma chamar de vigilância epidemiológica: acompanhar a dinâmica da doença na população, relação de casos comprometidos, mecanismos de propagação e estratégias de prevenção.
Um aspecto particular vale salientar: os afetados, internados e mortos não são mais apenas números: têm sexo, idade, profissão, família, circunstantes, têm endereço e viajam. São pessoas como nós, se relacionam entre si, e conosco. A pandemia nos coloca dentro do mesmo caldeirão e não nos permite fugir, alienando-nos do que se passa em nossa sociedade. O fenômeno não pode mais ser tratado como um objeto na bancada de laboratório, no cavalete da oficina, ou na sala de operação. Está muito próximo de nós, estamos dentro.
É possível que mais adiante se conclua que esta pandemia não seja mais mortal do que outras, e que tenha nos chamado atenção particularmente por ter vindo fora da época esperada e por nos pegar em momento de crise global: ambiental, de costumes, política e econômica. Há quem diga que a mobilização face à epidemia esteja servindo para distrair a atenção de outros problemas.
Parece que os danos desta epidemia não serão maiores do que os provocados pelos surtos das que nos afetam regularmente todos os anos, e certamente serão muito menores do que os relacionados com doenças cardiovasculares, câncer, acidentes, drogas e outros males.
É possível que a epidemia nos sensibilize para a prevenção, inclusive de outras doenças às quais já nos acostumamos. Assim como o vírus entra em nosso organismo, e quase pelas mesmas vias, a poluição atmosférica, e a fumaça do cigarro fumado pela própria pessoa, ou por circunstantes, penetra na intimidade do corpo e não adianta lavar as mãos nem usar máscaras, como as aconselhadas para evitar a gripe. Também a manutenção da saúde global nos torna menos suscetíveis se formos contaminados.
Uma das maiores lições poderá ser a de que temos capacidade de nos mobilizar, de sermos solidários. Não estamos sós e tem gente do nosso lado que pode nos afetar com o que lhes acontece, e que precisamos respeitar. O que está acontecendo com a gripe é o mesmo que acontece com nosso ambiente, nossos costumes, a política e a economia. Depende de como nos relacionamos.
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