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Friday, November 13, 2009

Velocidade da vida

Zero Hora: 13 de novembro de 2009 | N° 16154

ARTIGOS

Velocidade da vida, por Aloyzio Achutti*

“Mal nos damos conta dela, a banal velocidade da vida, até que algum mau encontro venha revelar a sua face mortífera. Mortífera não apenas contra a vida do corpo, em casos extremos, mas também contra a delicadeza inegociável da vida psíquica.”

De Maria Rita Kehl, em seu livro O tempo e o cão.


Fiquei impressionado com este parágrafo da psicanalista que andou por aqui há poucos dias e gostaria de propô-lo para reflexão. Ele é muito apropriado para quase todas as circunstâncias de nosso dia a dia, para pensarmos no trânsito, no açodamento para executar nossas tarefas, na pressa em atingir objetivos, na ansiedade em chegar...

O parágrafo citado, isoladamente, seria suficiente, dispensando mais comentários. Entretanto, a parte final da mensagem pode nos ajudar a resolver algumas perplexidades.

A difusão incontrolável do uso de psicotrópicos (cigarro, drogas lícitas e ilícitas, álcool), fenômenos de massa em que multidões procuram se expressar ou entrar coletivamente em êxtase em busca de uma identidade, a própria entrega à voragem coletiva do progresso e da pressa sem dar chance para parar e pensar, a violência banalizada, tudo isso pode ter uma explicação comum.

A medicina e a saúde pública têm se preocupado desproporcionadamente com a vida do corpo, muitas vezes até negociando em detrimento da vida psíquica. Embora busquemos e ensinemos a vigiar sinais e sintomas (pressão arterial, obesidade, diabetes, colesterol, dores no peito e tantos outros...), não temos dedicado a mesma atenção para os sintomas sociais.

Quase todas essas manifestações que nos deixam perplexos e que tentamos controlar com repressão, policiamento, cadeias, armamento, muros, alarmes, doutrinação, discursos, sermões, campanhas que atingem mais os que não precisam ouvir, são sintomas de mal-estar social que não têm estado no foco de nossas preocupações, e com os quais nem sabemos lidar.

Pior, o que origina o mal-estar social é também determinante da maior parte das doenças que afetam o corpo. É o preço a pagar pelo grau de evolução de nossa vida psíquica. Tornamo-nos mentalmente mais capazes, mas, ao mesmo tempo, mais sensíveis e vulneráveis em nosso relacionamento mútuo e com o meio onde vivemos.

Há um século e meio discutia-se a teoria dos germes, com grande sucesso no controle e tratamento de muitas doenças. Desvendaram-se também os riscos químicos, físicos e nutricionais. Está na hora de estudarmos o papel de nossa vida de relação e como nos organizamos e nos estruturamos em sociedade. Afinal, o que nos expõe a estes fatores de risco já bem aceitos e com os quais dispomos e nos colocamos neste conjunto?

Depois de conhecer a determinação biológica, química e física das doenças, ficou muito mais fácil preveni-las e preservar a saúde. Há muito já conhecemos também a importância da vida psíquica, mas teimamos em observá-la quase que estritamente do ponto de vista individual. Está na hora de buscarmos princípios de higiene social. Só com dinheiro para a saúde e educação e esmolas não se consegue destravar as estruturas sociais que nos separam e nos polarizam com repulsa mútua.

Quando se fala em determinação social, não se trata apenas de miséria ou pobreza. O essencial está na relação humana e em como nos dispomos nesta corrida desenfreada onde muitos saem pisoteados, têm de ficar para trás ou marginalizados. Esta ruptura do conjunto gera mal-estar social de ambos os lados e até a busca de estratégias para atrapalhar a corrida.

*MÉDICO

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