(Artigo enviado para o Jornal Zero Hora que provavelmente não vai mais ser publicado)
A notícia do problema de saúde do Presidente chamou atenção, provocando muitas especulações. É oportunidade para contribuir com alguns esclarecimentos (obviamente não sobre o paciente, mas sobre pressão arterial). O assunto interessa muita gente (de um e meio a três milhões de gaúchos, dependendo do critério adotado como ponto de corte) e sobre o qual devem existir ainda questionamentos, apesar das informações veiculadas pela mídia, muitas focadas na agenda de trabalho.
Em 1978, sob a coordenação geral do Dr. Eduardo de Azeredo Costa, fizemos uma pesquisa cobrindo amostras representativas de toda a população adulta do Estado. Na época a primeira e maior pesquisa do gênero no hemisfério sul. Passados mais de trinta anos, estudos posteriores não mostraram grandes mudanças nas proporções. Encontramos níveis médios de pressão arterial progressivos com a idade, bem como a prevalência de hipertensão arterial; mais mulheres do que homens, mais no cinturão metropolitano do que no interior rural, mais entre iletrados e com baixa escolaridade do que em gente com formação superior; inversamente proporcional ao status social, e tendência à agregação familiar. Somente uma quarta parte daqueles considerados hipertensos tinha níveis controlados, e um bom número de entrevistados, embora com diagnóstico médico no passado e mesmo sem efeito de remédios, tinham pressão normal no momento da pesquisa. Com a idade diminuía a proporção de fumantes e aumentavam as médias de pressão e a prevalência de hipertensão em não fumantes (os hipertensos que simultaneamente fumavam já haviam saído da população...).
Vale insistir em algumas informações já que as pressões, por se expressarem por números, podem dar uma falsa impressão de precisão e segurança. Um diagnóstico de doença hipertensiva não pode se basear exclusivamente neles. O que mais interessa é a permanência dos níveis elevados e não sua elevação transitória. A pressão arterial varia normalmente com o esforço e com as emoções (pode chegar normalmente a momentos de 200 mm Hg); a massa corporal, o sal na alimentação, a temperatura ambiente, certos medicamentos, agitação, ansiedade, e até a técnica utilizada podem influir sobre as medidas. Os exercícios em geral são benéficos, e repouso só se faz necessário frente a complicações ou para esclarecer dúvidas.
Chamou atenção um vídeo feito momentos antes de o Presidente se sentir mal. Ele dizia que estava com uma gripe ou sinusite e com perturbação de voz. Drogas vasoconstritoras e anti-inflamatórias - freqüentemente usadas (ou abusadas) com finalidade meramente sintomática – podem anular o efeito do tratamento, elevam a pressão arterial e podem causar uma “crise hipertensiva”, nesta hipótese, iatrogênica.
Por falar em gripe e em doença crônica, até recentemente esta relação era cientificamente pouco valorizada. As viroses, e o estado inflamatório por elas provocado, podem desencadear ou desestabilizar doenças relacionadas com arterioesclerose (infarto, trombose cerebral) e complicar a doença hipertensiva.
Vem daqui também a valorização das complicações da gripe e de outras doenças inflamatórias no contexto de doenças crônicas (entre elas a hipertensão arterial), anteriormente rotuladas como degenerativas, como se pertencessem a outro “departamento”. Mais uma vez, faz-se jus homenagear a prata da casa pela contribuição de nossa pesquisadora e professora da UFRGS – hoje a reconhecida internacionalmente Dra. Maria Inês Reinert Azambuja, há vários anos defendendo esta tese.
Nesta perspectiva nossa pressão arterial é somente mais uma variável de um conjunto orgânico, socialmente interdependente, em permanente interação com o meio (físico-bio-psico-social) onde se vive.
Aloyzio Achutti. Médico.
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