01 de julho de 2010 | N° 16383
ARTIGOS (no ZH de hoje)
Para que toalhinha?, por Aloyzio Achutti*
Não faz muito tempo, pouco mais de 50 anos – e até um pouco menos – ao chegar numa residência para atender um paciente, encontrava cuidadosamente dobrada e passada, em cima do leito, uma toalhinha.
Depois de conversar e ouvir as queixas, ao começar o exame físico, algum familiar apontava dizendo, está aí a toalhinha doutor. Se eu estivesse com um estetoscópio, eu agradecia dizendo, muito obrigado, eu vou usar o aparelho. Às vezes, diziam-me: desculpa doutor, vou buscá-la, esqueci de preparar a toalhinha. Suspeito que, com o tempo, tratava-se mais de um ritual, e as pessoas nem sabiam mais o porquê da preparação.
Pois é atribuída a René Théophile Hyacinthe Laennec a invenção e divulgação da auscultação mediata, isto é com auxílio de um instrumento. Dizem que foi um expediente que ele utilizou para poder examinar o coração de uma dama muito bem fornida. Também se diz que foi um primeiro passo afastando o médico do paciente com a desculpa da interposição de algum equipamento.
Tecnologia tem servido muito para melhorar e tornar mais precisos os diagnósticos de distúrbios físicos do organismo de indivíduos doentes, mas também como desculpa ilusória para afastar o médico do paciente. Além de não se conseguir com instrumentos perscrutar as angústias da alma, fica-se com a ilusão de que detecção de um problema através do exame físico, ou por meios auxiliares, já é o suficiente para partir em busca do tratamento específico para o caso. Sem falar nas causas das causas das doenças, que frequentemente têm origem fora do indivíduo e estão radicadas na organização e nas relações sociais, necessitando o profissional compreender que os remédios são mais políticos do que médicos.
É bom lembrar que o tratamento não vem somente depois do diagnóstico, já começa no encontro e na conversa do médico com o paciente, no toque, na auscultação e em todas as manobras que podem descobrir anormalidades ou simplesmente verificar o que está em ordem. O contato do médico com o paciente funciona muitas vezes como uma regressão ao colo materno, quando estamos necessitando de algo, de algum alívio ou consolo, ou simplesmente para afastar os temores iniciados desde a descoberta de que estamos sós (não fazemos mais parte da mãe), e que vamos precisar nos virar progressivamente sozinhos...
A ausculta com ou sem aparelho já faz parte do tratamento, e, em geral, o ato médico pode se encerrar nesse momento. Felizmente, na maior parte das vezes, não haverá indicação para nenhuma intervenção maior.
*MÉDICODepois de conversar e ouvir as queixas, ao começar o exame físico, algum familiar apontava dizendo, está aí a toalhinha doutor. Se eu estivesse com um estetoscópio, eu agradecia dizendo, muito obrigado, eu vou usar o aparelho. Às vezes, diziam-me: desculpa doutor, vou buscá-la, esqueci de preparar a toalhinha. Suspeito que, com o tempo, tratava-se mais de um ritual, e as pessoas nem sabiam mais o porquê da preparação.
Pois é atribuída a René Théophile Hyacinthe Laennec a invenção e divulgação da auscultação mediata, isto é com auxílio de um instrumento. Dizem que foi um expediente que ele utilizou para poder examinar o coração de uma dama muito bem fornida. Também se diz que foi um primeiro passo afastando o médico do paciente com a desculpa da interposição de algum equipamento.
Tecnologia tem servido muito para melhorar e tornar mais precisos os diagnósticos de distúrbios físicos do organismo de indivíduos doentes, mas também como desculpa ilusória para afastar o médico do paciente. Além de não se conseguir com instrumentos perscrutar as angústias da alma, fica-se com a ilusão de que detecção de um problema através do exame físico, ou por meios auxiliares, já é o suficiente para partir em busca do tratamento específico para o caso. Sem falar nas causas das causas das doenças, que frequentemente têm origem fora do indivíduo e estão radicadas na organização e nas relações sociais, necessitando o profissional compreender que os remédios são mais políticos do que médicos.
É bom lembrar que o tratamento não vem somente depois do diagnóstico, já começa no encontro e na conversa do médico com o paciente, no toque, na auscultação e em todas as manobras que podem descobrir anormalidades ou simplesmente verificar o que está em ordem. O contato do médico com o paciente funciona muitas vezes como uma regressão ao colo materno, quando estamos necessitando de algo, de algum alívio ou consolo, ou simplesmente para afastar os temores iniciados desde a descoberta de que estamos sós (não fazemos mais parte da mãe), e que vamos precisar nos virar progressivamente sozinhos...
A ausculta com ou sem aparelho já faz parte do tratamento, e, em geral, o ato médico pode se encerrar nesse momento. Felizmente, na maior parte das vezes, não haverá indicação para nenhuma intervenção maior.
2 comments:
Que belo texto, a ausculta vai muito além do instrumento.Também concordo, na maioria das vezes é terapêutica não necessitando nenhuma outra intervenção. Obrigada por lembrar disso.
Muito bom Dr. Achutti!
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