Artigo que enviei para o Jornal local ZH, mas que não foi publicado. Ofereço-o com meu abraço, aos AMICOR, na maioria colegas médicos.
É curioso e intrigante observar o crescente prestígio e valorização da Medicina, enquanto médicos e pacientes estejam cada vez mais insatisfeitos com a prática. As ciências biomédicas (não confundir com medicina) têm se desenvolvido vertiginosamente na esteira das conquistas científicas e tecnológicas permitindo a realização de diagnósticos e tratamentos até há bem pouco inimagináveis. Estes recursos tornam-se cada vez mais caros por serem tratados como produtos de mercado, e envolverem custos marginais relacionados com inúmeros interessados da indústria farmacêutica, de equipamentos, organizações hospitalares, de pesquisa, securitárias, de especulação financeira, político-governamentais e de outras profissões que atuam no mesmo setor. Além de lidar com a vida humana (cujo valor é inestimável), a operação deste oneroso e complexo sistema depende ainda em grande parte do médico, sobrando-lhe cada vez menos para remunerar seu trabalho e comprometendo-lhe a autonomia.
É bem possível que a crise seja bem mais ampla e relacionável com a problemática observável em outros setores, quando se diz serem necessárias reformas econômica, política e ética para readequar a estrutura de nossa sociedade, por não mais corresponder ao grau e tipo de desenvolvimento e globalização.
Além da impossibilidade de conciliar totalmente os interesses do paciente, da ciência e do profissional, é preciso enfrentar o dilema da qualidade e da extensão de cobertura. As soluções adotadas, mesmo com o suporte de recursos tecnológicos, não têm o dom de multiplicar o número de profissionais capacitados, preservar a continuidade e estender o tempo necessários para estabelecer uma adequada relação médico-paciente, e ao mesmo tempo promover o atendimento em massa.
Em condições muito menos complexas, com uma demanda certamente bem mais reduzida e exigente, Platão já reconhecera o dilema, e estabelecera duas categorias de profissionais: os médicos de escravos e os de homens livres. Os primeiros corriam de um paciente a outro sem maiores preocupações (expressão usada por ele), enquanto que os de homens livres esperavam convencer o paciente antes de proceder a cura.
A abrangência atual e diversidade dos objetivos profissionais têm ofuscado o foco primordial e humanístico, dificultando o relacionamento, complicando a formação, e distraindo a atenção das causas das causas das doenças. Ao mesmo tempo nosso modelo cultural centrado no pragmatismo mercadológico e competitividade agressiva, tem corroído muito do idealismo de uma profissão inicialmente confundida com o sacerdócio...
Bem, quando descobrimos que até os sacerdotes não são mais os mesmos, quem sabe não é chegado o tempo de reservar o título de médico somente para aqueles que se conformem com a prática da medicina centrada na pessoa humana integrada em seu contexto histórico e social?
2 comments:
Assino embaixo, Professor!
Há uma confusão lamentável entre "profilaxia" e "medicina para escravos" hoje em dia... O SUS deveria ser o ponto alto da prevenção de doenças e sofrimentos, mas tem sido encarado como apenas oportunidade para negociatas de empresas farmacêuticas e outros que tais, inclusive uma parte digamos, mercantilista, dos "médicos para homens livres", sive, ricos.
Assino embaixo, Professor!
Há uma confusão lamentável entre "profilaxia" e "medicina para escravos" hoje em dia... O SUS deveria ser o ponto alto da prevenção de doenças e sofrimentos, mas tem sido encarado como apenas oportunidade para negociatas de empresas farmacêuticas e outros que tais, inclusive uma parte digamos, mercantilista, dos "médicos para homens livres", sive, ricos.
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