A CENA MÉDICA | MOACYR SCLIAR
O RS e sua pressão arterial: um retrato revelador
Este ano marca o 30º aniversário de uma das pesquisas mais importantes feitas na área da saúde do Rio Grande do Sul. Foi em 1978 que o doutor Aloyzio Achutti, então chefe do programa de prevenção de doenças crônicas da Secretaria da Saúde do Estado, lançou a idéia de uma investigação sobre a pressão arterial em nosso Estado, pesquisa esta a ser realizada em colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde e com recursos do Finep, entidade federal de financiamento da pesquisa. Participaram na investigação os doutores Eduardo de Azeredo Costa, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e principal coordenador da pesquisa, Ayrton Fischmann, que dirigia a Escola de Saúde Pública da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, Carlos Henrique Klein, Maria do Carmo Leal e Sergio Bassanesi.
À época, como diretor do Departamento de Saúde Pública da Secretaria, emprestei também minha colaboração ao estudo, que foi, pelos padrões da época, gigantesco. A amostra populacional era enorme, mas os pesquisadores conseguiram chegar a 94,4% dela, num total de 4.565 pessoas em 2.056 domicílios, localizados em quatro regiões: Porto Alegre, outras cidades da Região Metropolitana, interior urbano (ou seja, cidades interioranas) e interior rural. A todas essas pessoas aplicou-se um questionário, verificando-se também pressão arterial, peso, altura, espessura da dobra cutânea (para avaliar o estado nutricional). Em 647 pessoas foi feito um exame clínico completo, inclusive com exames complementares.***
Os resultados, lembra o doutor Achutti, foram significativos. Havia muita hipertensão no Estado; e estava associada a tabagismo, obesidade, diabetes, alcoolismo, aumento de gorduras no sangue e história familiar. Muitos ignoravam que eram hipertensos; apenas um quarto deles estava em tratamento, e tratamento muitas vezes precário. Por outro lado, muitos estavam com a pressão arterial normal – mas mesmo assim tomavam remédio. A distribuição dos casos de hipertensão foi muito significativa.
Havia mais pressão alta na Região Metropolitana, em Porto Alegre; menos nas cidades interioranas e menos ainda no interior rural, refletindo o estilo de vida dessas regiões. Também foi impressionante a correlação com o nível educacional. Quem tinha mais hipertensão eram os analfabetos (cerca de 13% deles tinham pressão alta); depois vinham os semi-alfabetizados, aqueles com nível educacional primário, depois os com nível secundário.
Nas pessoas com nível educacional superior, a percentagem de hipertensos era de apenas 4%, mostrando algo que desde então tem sido exaustivamente comprovado: os níveis educacionais estão relacionados ao nível de saúde. Pessoas educadas, informadas, evitam o fumo e o álcool, praticam exercício físico, alimentam-se de maneira mais racional, consultam o médico. Alguém dirá que isto está relacionado ao nível de renda, mas não é bem assim; quando se comparam pessoas com rendimentos semelhantes, têm mais saúde aquelas com maior escolaridade.***
Este trabalho ensinou várias outras coisas. Mostrou que é possível, sim, fazer pesquisa em nosso país, apesar de todas as dificuldades. E mostrou que ainda existe muita coisa de nossa realidade que precisamos estudar. Neste sentido, a saúde pública gaúcha foi e é de vanguarda. O histórico trabalho coordenado pelodoutor Achutti é uma prova disso.
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