PERGUNTAR NÃO OFENDE
Aloyzio Achutti. Médico.
(Enviado para publicação no jornal ZH)
Sem entrar no mérito da questão, ao ler a notícia sobre a retirada de um casal de um vôo por uma pergunta considerada ofensiva sobre os freios da aeronave, imaginam-se outras pessoas com mais perguntas engasgadas. É uma ofensa ou um direito perguntar? Sobre a qualidade de um produto antes de comprar? Sobre o risco de uma cirurgia, ou efeitos colaterais de um remédio? Sobre a competência e a corriola de um candidato antes de votar? Sobre os riscos de viajar?
Qual a diferença para a segurança de um vôo ter o “transponder” desligado (motivo para responsabilizar os pilotos do Legacy) e “pinar” ou travar o “reversor” de uma turbina e seguir voando? A crônica confusão em terra não pode ser sintoma de doença muito mais grave e generalizada colocando em risco a segurança de voar? Como é possível oferecer tarifas abaixo do custo operacional sem comprometer a qualidade e a segurança do serviço? É mera coincidência o caos aéreo e a permissão de novas políticas e estratégias comerciais, com a quebra e a saída do mercado de uma companhia cotada como das melhores e mais seguras do mundo?
Não se trata de julgamento precipitado. Por isso mesmo são perguntas esperando por respostas. Um evento por demais doloroso como o recém ocorrido suscita novos questionamentos que os verdadeiros responsáveis (aqueles que têm que responder por algo) já deveriam ter-se feito. A insegurança contamina também outros setores.
Para começar pela saúde: há gente que adoece e morre por falta de recursos? A distribuição das prioridades inter-setoriais levam em conta a importância e as necessidades da saúde humana e saúde ambiental? A alocação de recursos para a saúde como despesa sem reconhecer seu valor como investimento no capital humano não a põe em inferioridade frente ao setor dito produtivo, do qual se serve os poder econômico e também o político? Há falta de material e deficiências nas condições de trabalho dos serviços de saúde? Reutiliza-se material descartável? Quanto recebe um médico do serviço público e outros profissionais da saúde para atender com qualidade cada paciente? E mesmo através dos chamados planos de saúde? A formação médica e a educação continuada são isentas de influência externa, ou podem estar distorcidas pelos interesses de intermediários, da indústria farmacêutica e de equipamentos médicos?
Não é preciso perguntar aos políticos, senadores, deputados e seus auxiliares, bem como ao pessoal do judiciário, se estão satisfeitos com seus salários e prerrogativas de que dispõe, mas pode-se perguntar quanto recebe um professor do ensino fundamental ou médio para formar cada cidadão? E na universidade os professores e pesquisadores estão tranqüilos com a proporcionalidade entre o que se lhes paga e a responsabilidade da formação profissional e do desenvolvimento científico, tecnológico, artístico e cultural?
Será um problema de gestão, de incompetência ou de irresponsabilidade a má distribuição dos bilhões de uma das proporcionalmente maiores arrecadações tributárias do mundo?
O que ofende mesmo não é a pergunta, mas a falta de resposta. Ser responsável é dar resposta, informando clara e prontamente às perguntas do cidadão perplexo pelas manobras dissuasivas. A ocultação da verdade, a falta de respeito frente ao evidente descalabro, ou a demonstração de desconhecimento e menos caso pela segurança, são um desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão, e terminam retirando qualquer esperança de uma resposta traduzida em atos efetivos.
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