Observatório das Metrópoles: Saúde urbana e desenvolvimento
Artigo no Estadão de Hoje pela AMICOR Maria Inês Reinert Azambuja
Qual a extensão do adoecimento na nossa população? A sociedade brasileira tem pensado e falado pouco sobre a questão, mas não é difícil intuir que a saúde seja tão importante quanto a escolaridade quando se trata das sustentabilidades econômica e social de um projeto de desenvolvimento nacional. A população brasileira habitando cidades passou de 19 milhões para 146 milhões de habitantes entre 1950 e 2000, ou seja, aumentou mais de 7 vezes em apenas 50 anos. Como consequência, temos uma população urbana nas grandes cidades com baixa escolaridade, violenta e adoecida.
Uma situação semelhante ocorreu na Europa do século 19. Passado um século do início da Revolução Industrial, as populações de Paris e de Londres haviam crescido cinco vezes e a de Berlim, dez vezes. A industrialização e a urbanização aumentaram a desigualdade social e a mortalidade urbana. Isso suscitou o debate sobre a relação entre saúde e desenvolvimento. A opção pela reforma urbana aconteceu quando a desigualdade e a doença começaram a ser percebidas como risco social e desvantagem econômica. Os governos passaram a formular e executar políticas, programas e projetos para reverter esta situação. A queda acentuada na mortalidade por doenças infecciosas e o aumento na expectativa de vida, que se iniciaram pouco antes do fim do século 19 na Europa, são usualmente interpretados como decorrentes da melhoria das condições de nutrição e de vida dessas populações.
No Brasil, as patologias crônicas mais frequentes são as doenças osteomusculares e as doenças mentais - principais causas de incapacidade para o trabalho -; as condições respiratórias - primeira causa de hospitalização no Brasil -; as doenças do aparelho circulatório - primeira causa de morte -, e os cânceres. Somam-se a elas todos os agravos e sequelas associados a acidentes do trabalho, de trânsito e a acidentes domésticos, e os resultantes de violências - principais causas de agravos e mortes entre os adultos jovens -, e ainda as complicações agudas associadas às "novas" epidemias de doenças infecciosas, como a dengue no Sudeste/Nordeste e a influenza, no Sul.
Pesquisa feita em Porto Alegre pelo Grupo Saúde Urbana do Observatório das Metrópoles mostra que doenças do coração matam precocemente duas vezes mais nos bairros mais pobres do que nos mais ricos. Para acidentes vasculares cerebrais a diferença é maior: três vezes. Se toda a população tivesse as condições de vida dos moradores dos bairros melhores, a mortalidade cardiovascular na cidade seria 40% menor. O que fazer? Investir em mais serviços de saúde para os mais pobres? Ou nas causas do adoecimento? E em que causas?
Quando se quer mudar de fato a ocorrência das doenças precisamos pensar nos chamados determinantes sociais da saúde: a habitação, o transporte, o emprego, a educação, a renda, o lazer, a alimentação. Também precisamos pensar no acesso a serviços de saúde - hoje e sempre necessários, mas não suficientes.
Podemos ser otimistas e devemos ser pró-ativos. Nossa população está parando de crescer, e o processo de urbanização já se completou. Estamos em situação econômica mais confortável agora do que há alguns anos, o que nos permite planejar nossa reforma urbana. A saúde deve ser pensada como parte de um projeto integrado da cidade.
Como a saúde é muito sensível às condições ambientais e sociais em que vivemos, a equidade em saúde tem sido proposta globalmente como marcador de boa governança e um índice de desenvolvimento global.
Mas ao mesmo tempo cresce o reconhecimento de que estratégias de planificação tradicionais levadas a cabo isoladamente pelos gestores públicos não funcionam como deveriam. É preciso espaço para o debate público a fim de sensibilizar a população sobre a necessidade de mudar. Devemos pensar juntos em um conjunto indicadores de saúde que possam medir as mudanças que interessam, de fácil compreensão, montagem e acompanhamento, a agirmos assim que possível, pois é a ação e seus resultados práticos - ou não - que selecionam as estratégias de sucesso.
*PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL DA UFRGS E PESQUISADORA DO INCT OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, NÚCLEO PORTO ALEGRE
No comments:
Post a Comment