Medicina Social – Saúde Urbana
Considerações a partir de anotações
para um encontro com o grupo do Departamento de Medicina Social da UFRGS que
trabalha com a Vila Sossego. (Aloyzio Achutti)
Palavras chave: Equilíbrio, saúde, vida, sustentabilidade,
antagonismo, violência, estresse, desigualdade, pirâmide social, identidade,
dependência, autonomia, inserção social, comunicação, racionalidade, emoções, felicidade
(ou contentamento), tristeza, medo, desgosto, raiva e surpresa, rejeição, marginalização,
amor, ódio, psicologia social, antropologia, processo decisório, economia,
prioridades, democracia, transporte, educação, habitação,
segurança, salário, controle da corrupção, urbanização, sistema recompensa, mercado, política, moda,
propaganda, protesto, repressão, saúde urbana, punição, crise, pânico, consumo,
investimento, prevenção, corrupção, credibilidade.
Equilíbrio deve ser inerente aos conceitos de vida
e de saúde. Pode ser instável, mas dentro de limites de sustentabilidade. A
ruptura desses limites dá lugar a doença e morte. Aliás, parece ser uma
característica constante no universo – não só no mundo biológico - a presenças
antagônicas que se equilibram.
Como tudo está em movimento, a estratégia para
controlar harmonicamente as forças geradoras é o antagonismo. A percepção desse
fenômeno omnipresente deve ter dado origem ao Yin e Yang do Taoismo.
O equilíbrio
é dinâmico e permite um curso mais suave e controlado. Toda ruptura é uma
violência. O desequilíbrio pode se manter por algum tempo a custa de estresse,
com prejuízo inicial da posição mais fraca. Nesse jogo, como li uma vez num
documento do Banco Mundial, o potencial perdedor não pode ser estrangulado até
ser eliminado, pois isto terminaria com o jogo. É possível que esta expressão
tenha sido originada da fração privilegiada do mundo capitalista que tem
consciência da desigualdade e da importância dos estratos submetidos a condições
sociais menos favoráveis que sustentam e mantém os andares superiores da
pirâmide.
Ideias associada que precisariam ser exploradas
neste contexto são: identidade e dependência/autonomia. No universo tudo está
interdependente, mesmo que não se consiga identificar os laços de união. Nossas
posições dependem de forças que nos sustentam e contra as quais naturalmente reagimos.
Na cadeia biológica estamos inseridos e é da interação com seus elos que
conseguimos existir, sobreviver e desenvolver. Nossa existência como indivíduos
é uma abstração, pois fazemos parte de um todo maior cujos limites (se é que
existem) se perdem nas dimensões do universo.
Em contraponto com esta verdadeira simbiose a
natureza protege a identidade de cada indivíduo com códigos e senhas
invioláveis a ponto de que até gêmeos univitelinos (com material gênico que
pode ser idêntico), vão se tornando distintos, com as marcas das experiências
de vida de cada um.
Novamente estamos frente a conceitos antagônicos: a
interdependência total (com a mãe, com outras pessoas da família e da comunidade,
plantas, animais, insumos os mais diversos, bactérias que nos habitam ou com as
quais nos inteiramos, com o meio ambiente, a força da gravidade, a radiação
solar, e tantos outros seres e forças cósmicas com as quais estamos em
permanente intercâmbio) em contraponto com o total isolamento em nossa
identidade pessoal que depende de recursos de comunicação sensoriais ou
desenvolvidos pela tecnologia.
Ao ter consciência de nossa identidade, de nosso
“self”, protegemos obsessivamente nossa privacidade, mas buscamos desesperadamente
parceiros de quem possamos obter apoio, aprovação ou fazer trocas. Enquanto
esperamos que nos reconheçam e respeitem como indivíduos autônomos, procuramos
a qualquer custo um rótulo coletivo que mostre nossa identificação com uma
família, uma etnia, uma comunidade, uma nacionalidade, um clube, um clã.
É tão sério este dilema que o maior trauma psicológico
costuma ser o da rejeição como resposta a uma pretensa aproximação. Aqui se
situa a encruzilhada dos laços afetivos, o amor e o ódio, que podem ser
surpreendentemente intercambiáveis, na dependência do sucesso ou da frustração.
Parece que esta consciência da identidade
individual está profundamente marcada em nosso cérebro, assim como nossa
identidade biológica a nível molecular, em nosso DNA e estruturas paralelas que
o acompanham. As reações são antes afetivas e pouco ou nada racionais, o que
implicaria em estuda-las sob esta perspectiva, e não tanto com o instrumental
da ciência tradicional.
Se do ponto de vista individual isto for
verdadeiro, a nível social fica ainda mais complexa sua compreensão, ou mais
simples se assumirmos que há muito menos diferença no comportamento coletivo do
que na identidade dos seus componentes. Um artigo me chamou atenção
recentemente sobre o reconhecimento de expressões faciais índices de reações
afetivas: seis emoções podem ser consideradas como básicas se as
valorizarmos à luz de uma pesquisa recente: felicidade (ou contentamento),
tristeza, medo, desgosto, raiva e surpresa ( six
basic emotions—happiness, sadness, fear, disgust, anger, and surprise).
Esta interessante pesquisa foi feita com populações de diversas partes do mundo
e culturas diferentes, algumas em estagio ainda primitivo e sem escrita, todos
os entevistados conseguiram reconhecer as expressões faciais correspondentes, o
que parece evidenciar as profundas raízes dos padrões de reação afetiva.
Lembrei-me
também de algo que li sobre comportamento parece que de um tipo líquen
encontradiço nos jardins como mancha esverdeada cujos componentes sobrevivem
individualmente quando dispõe de abundante substrato, mas que se reúnem como se
fossem colônias em situações de penúria. (fonte freakonomics??).
Para entender comportamento necessitamos aprofundar
conhecimentos de psicologia e em especial de psicologia social. Lembro sempre
ponderações de um amigo epidemiologista falando de nossa ignorância sobre dois
domínios essenciais para lidar com população: antropologia e processo
decisório. Tudo isso tem a ver com as motivações que nos levam à prioridades e
escolhas. Não é de surpreender também que muitas das pesquisas nesta área se
fazem com valores monetários. Outro amigo me dizia que economia não é senão uma
maneira quantificada de estudar a relação (comportamento) interpessoal e com as
circunstâncias.
Os protestos e recentes movimentos de massa podem
ser considerados como expressão, ou sintoma do estado da saúde urbana. Vozes
das ruas, democracia, reinvindicação por valores legítimos: transporte, saúde,
educação, habitação, segurança, salário, controle da corrupção, definição de
prioridades na política econômica, etc...Os arranjos da vida urbana são os
caminhos encontrados para a agregação, apoio, facilitar comunicação,
mobilidade, acessibilidade a serviços e recursos. Se o fenômeno urbano tem
origem na busca destes objetivos, segregação, rejeição e frustração desses
anseios geram estresse, inveja, raiva e agressividade, com todas as
consequências biológicas e sociais conhecidas. A proximidade geográfica e
física da cidade facilita a comparação das diferenças sociais, torna impossível
ocultar as diferenças entre o privilégio e a marginalização.
Pode-se questionar o direcionamento de nossas
preocupações como paternalismo assistencial aos socialmente marginalizados.
Pergunta: são os marginalizados que sustentam a desigualdade, ou os que detêm o
poder (político, econômico ou de qualquer outra natureza)? Do ponto de vista
físico é a base que sustenta o ápice da pirâmide, mas do ponto de vista da
manutenção política da estruturação social, é o contrário.
Nos movimentos pacíficos recentes parece sem dúvida
que predominam os jovens, mas não os de grupos marginalizados. Estariam estes
entre os mais violentos que se expressaram com agressões e destruição, fruto da
frustração e do ódio descontrolados por falta de educação e de recompensa e
perspectiva na vida? A repressão à violência também faz pensar na efetividade
da estratégia que reage da mesma forma. Pode equivaleria à eficácia da
experiência negativa, ou da dor, como caminho para a mudança de comportamento. Seria
tentativa de usar uma “recompensa negativa” ? Será que a punição resolve ou
reafirma a posição do punido, e suscita mais ódio? O resultado favorável de
nossas experiências é porque o ódio tende a se extinguir espontaneamente, ou acontece
por efeito direto da violência punitiva?
Numa aula inaugural do curso de epidemiologia há
alguns anos parti a apresentação de um modelo que iniciava com a violência
responsável pelo desequilíbrio da saúde, levando à doença, destruição e não
sustentabilidade. Sempre me impressionou o elastério das catecolaminas entre as
variáveis biológicas, quando comparadas com outros parâmetros. Parece que
estamos biologicamente predispostos a lutar ou fugir e que estas seriam nossas
reações mais primitivas, especialmente em momentos de crise e de reação em
cadeia (pânico/populacional)
Nosso vezo acadêmico de estudar e interpretar tudo com
os instrumentos científicos tradicionais, nos leva à ilusão de que as decisões
e ações sejam também racionais. Assim como em política, as decisões são
primariamente estratégicas, emocionais e motivadas por interesses diferentes
daqueles que são enunciados. Também no mercado e na política eleitoral,
propaganda e moda são determinantes.
Não é de surpreender a eficiência de nosso
equipamento para desenvolver dependência e a presença de tanto abuso de
substâncias, e comportamentos baseados neste sistema de recompensa. Parece que
a razão da existência e da importância do sistema da recompensa estaria
relacionada com a facilitação da memória dos caminhos de sucesso e insucesso,
evitando a necessidade de uma redescoberta do mapa a cada vez.
Poderíamos também tentar aprender com os economistas já que a economia
esta tão vinculada com nossa cultura, se não com arquétipos mais primários como
o de garantir o sustento alimentar e o território (provavelmente dá no mesmo).
Falando com um amigo e colega de hidroginástica ele me chamava atenção para
dois aspectos: o consumo e o investimento. O primeiro é o gozo do presente,
desprezando o futuro. O outro visa garantir o futuro para uma melhor qualidade
de vida (é o mesmo que nossa prevenção). Procurando ver a riqueza de uma nação,
os dois (aparentemente antagônicos) precisam estar equilibrados. Nossa política
tem incentivado o consumo, em detrimento do investimento. Tem sido uma política
visando colher resultados imediatos, de quem acha que não tem futuro ou que não
quer se preocupar com ele.
Pode haver alguma semelhança com quem não tem perspectiva futura, quem
se sente rejeitado e encontra barreiras sociais intransponíveis, sem mesmo
haver muros que pudessem ser galgados ou golpeados: deve se sentir extremamente
frustrado e rejeitado. Ainda mais quando permanentemente bombardeado pela mídia
ostentando com requinte tentações e esbanjamentos de toda a ordem. Se nos
privilegiados nos sentimos usurpados pela corrupção e desperdício de dinheiro
público, e a cínica degradação da credibilidade institucional, os rejeitados
devem ter redobrados os mesmos sentimentos.
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