Coluna Fernando Neubarth
Tenho um amigo de infância, Carlos Fernando Jung, que mora na cidade onde crescemos, Taquara do Mundo Novo. É engenheiro e professor e passa as noites, dizem, filmando o céu desse canto do sul do Brasil. Conseguiu registrar, na madrugada da sexta-feira, 12 de abril de 2019, a queda de um meteoro. Estima-se que a pedra tivesse uma massa de 12 quilos quando entrou na atmosfera terrestre a 122 mil km/h, extinguindo-se a aproximadamente 36 quilômetros de altitude, aparentemente sem causar danos, conforme o noticiário.
Se não causou danos, impressionou-me demais.
Isso na mesma semana em que a jovem pesquisadora Katherine (Katie) Louise Borman, 29 anos, formada em Ciências da Computação no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), liderando uma equipe de 200 cientistas, capturou, pela primeira vez um buraco negro. A façanha foi realizada a partir de um algoritmo criado por Katie, que combinou as imagens obtidas por oito telescópios ao redor do mundo e coletou 8 petabytes de dados para chegar a esse resultado. O buraco negro captado na imagem possui 40 bilhões de quilômetros de diâmetro, um número aproximadamente 3 milhões de vezes maior que o tamanho do nosso planeta. Mas talvez o melhor ainda seja o misto de incredulidade e satisfação no semblante exibido pela menina no seu Facebook. Numa entrevista ao Washington Post, ela contou que estava trabalhando no algoritmo há quase seis anos e, como se fosse preciso se justificar, declarou: “Eu tenho interesse em como podemos ver ou medir coisas que são consideradas invisíveis para nós”.
A comprovação da existência do “buraco negro” demonstra que a teoria desenhada por Albert Einstein (1879-1955) estava correta. Trunfo da atual tecnologia e da genial Teoria da Relatividade Geral, abre caminho para novas compreensões sobre a existência. Se por um lado destaca o quanto podemos ser grandes, evidencia o quanto somos ínfimos, apenas um pontinho obscuro no universo.
Vivemos numa época extraordinária. A tecnologia permite que o conhecimento realize sonhos e alcance distâncias que fazem lembrar o título da série televisiva criada por Rod Sterling na transição dos anos 50/60, levando-nos para “Além da Imaginação” (versão para o português do original, Twilight Zone). Momento marcante na história da humanidade, talvez só comparável à democratização do acesso à informação com a invenção da prensa de tipos móveis, em Mainz, no ano de 1450. O surgimento do livro – arma, bandeira, alimento – modificou o mundo. De Gutenberg a Zuckerberg, fecha-se um ciclo. Há uma nova revolução, magnífica e ao mesmo tempo assustadora. As mesmas fake news, antes panfletárias ou veiculadas em jornais, acordadas por interesses ou sob o tacão da censura, agora se disseminam instantaneamente, ao redor do globo ou aos confins da terra plana, como ainda querem alguns.
Parece compreensível ter medo do escuro, mas quem se esgueira nas sombras, com seus preconceitos, no absolutismo de meias-verdades, teme a claridade. Em lúcido artigo publicado em Zero Hora, a escritora Jane Tutikian, em defesa não somente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul da qual é vice-reitora, questiona sobre os limites à campanha de desqualificação do ensino, em particular o público, e na área das Humanidades. “A origem de tudo isso tem nome: medo. Medo de um povo que tenha acesso a uma educação de qualidade porque ela faz pensar e o pensamento é, em si, detonador de transformações”.
Faz lembrar Platão (427 a.C.- 347 a.C) e sua alegoria da caverna. Se temos a chance de nos libertar, é preciso tentar traduzir e testemunhar sobre aquilo que antes só percebíamos como sombras. Para seu discípulo predileto, Aristóteles (384 a.C.- 332 a.C), para ser feliz é preciso fazer o bem ao outro; isso caracteriza o homem como um ser social, mais precisamente um ser político, no melhor sentido da palavra. Mais uma vez, vale ouvir Einstein: “Tudo quanto nas nossas instituições, leis e costumes é moralmente valioso, teve origem nas manifestações do sentimento de justiça de inúmeros indivíduos ao longo dos tempos. As instituições são impotentes no sentido moral, se não forem apoiadas e alimentadas pelo sentido de responsabilidade de indivíduos vivos”.
O romancista gaúcho, brasileiro, Erico Veríssimo (1905- 1975), no primeiro volume de suas memórias, Solo de Clarineta, definiu bem o seu papel de literato: “Tem me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto”.
Filosofia é ter interesse no conhecimento e coragem para querer ver e medir as coisas que são consideradas invisíveis. Conta-se que, quando Alexandre, o Grande, recebeu os celtas que viviam no Adriático, perguntou a eles o que mais temiam, supondo que diriam que era dele que tinham receio. Eles responderam que não temiam ninguém, apenas que o céu caísse sobre suas cabeças.
– Por Toutatis, que isso não nos aconteça! Nem nos faltem fósforos.
______________________________ ________________________
Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia, abr/mai/jun 2019.
Se não causou danos, impressionou-me demais.
Isso na mesma semana em que a jovem pesquisadora Katherine (Katie) Louise Borman, 29 anos, formada em Ciências da Computação no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), liderando uma equipe de 200 cientistas, capturou, pela primeira vez um buraco negro. A façanha foi realizada a partir de um algoritmo criado por Katie, que combinou as imagens obtidas por oito telescópios ao redor do mundo e coletou 8 petabytes de dados para chegar a esse resultado. O buraco negro captado na imagem possui 40 bilhões de quilômetros de diâmetro, um número aproximadamente 3 milhões de vezes maior que o tamanho do nosso planeta. Mas talvez o melhor ainda seja o misto de incredulidade e satisfação no semblante exibido pela menina no seu Facebook. Numa entrevista ao Washington Post, ela contou que estava trabalhando no algoritmo há quase seis anos e, como se fosse preciso se justificar, declarou: “Eu tenho interesse em como podemos ver ou medir coisas que são consideradas invisíveis para nós”.
A comprovação da existência do “buraco negro” demonstra que a teoria desenhada por Albert Einstein (1879-1955) estava correta. Trunfo da atual tecnologia e da genial Teoria da Relatividade Geral, abre caminho para novas compreensões sobre a existência. Se por um lado destaca o quanto podemos ser grandes, evidencia o quanto somos ínfimos, apenas um pontinho obscuro no universo.
Vivemos numa época extraordinária. A tecnologia permite que o conhecimento realize sonhos e alcance distâncias que fazem lembrar o título da série televisiva criada por Rod Sterling na transição dos anos 50/60, levando-nos para “Além da Imaginação” (versão para o português do original, Twilight Zone). Momento marcante na história da humanidade, talvez só comparável à democratização do acesso à informação com a invenção da prensa de tipos móveis, em Mainz, no ano de 1450. O surgimento do livro – arma, bandeira, alimento – modificou o mundo. De Gutenberg a Zuckerberg, fecha-se um ciclo. Há uma nova revolução, magnífica e ao mesmo tempo assustadora. As mesmas fake news, antes panfletárias ou veiculadas em jornais, acordadas por interesses ou sob o tacão da censura, agora se disseminam instantaneamente, ao redor do globo ou aos confins da terra plana, como ainda querem alguns.
Parece compreensível ter medo do escuro, mas quem se esgueira nas sombras, com seus preconceitos, no absolutismo de meias-verdades, teme a claridade. Em lúcido artigo publicado em Zero Hora, a escritora Jane Tutikian, em defesa não somente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul da qual é vice-reitora, questiona sobre os limites à campanha de desqualificação do ensino, em particular o público, e na área das Humanidades. “A origem de tudo isso tem nome: medo. Medo de um povo que tenha acesso a uma educação de qualidade porque ela faz pensar e o pensamento é, em si, detonador de transformações”.
Faz lembrar Platão (427 a.C.- 347 a.C) e sua alegoria da caverna. Se temos a chance de nos libertar, é preciso tentar traduzir e testemunhar sobre aquilo que antes só percebíamos como sombras. Para seu discípulo predileto, Aristóteles (384 a.C.- 332 a.C), para ser feliz é preciso fazer o bem ao outro; isso caracteriza o homem como um ser social, mais precisamente um ser político, no melhor sentido da palavra. Mais uma vez, vale ouvir Einstein: “Tudo quanto nas nossas instituições, leis e costumes é moralmente valioso, teve origem nas manifestações do sentimento de justiça de inúmeros indivíduos ao longo dos tempos. As instituições são impotentes no sentido moral, se não forem apoiadas e alimentadas pelo sentido de responsabilidade de indivíduos vivos”.
O romancista gaúcho, brasileiro, Erico Veríssimo (1905- 1975), no primeiro volume de suas memórias, Solo de Clarineta, definiu bem o seu papel de literato: “Tem me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto”.
Filosofia é ter interesse no conhecimento e coragem para querer ver e medir as coisas que são consideradas invisíveis. Conta-se que, quando Alexandre, o Grande, recebeu os celtas que viviam no Adriático, perguntou a eles o que mais temiam, supondo que diriam que era dele que tinham receio. Eles responderam que não temiam ninguém, apenas que o céu caísse sobre suas cabeças.
– Por Toutatis, que isso não nos aconteça! Nem nos faltem fósforos.
______________________________
Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia, abr/mai/jun 2019.