Comentários ao artigo do Dr. Dioclécio Campos Jr sobre o “Mito da Alta Complexidade”
Por dois AMICOR: Aloyzio Achutti e Geniberto Paiva Campos, no portal da SBD
Concordo com a discussão do colega sobre a necessidade de revisão do conceito atual de complexidade.
De fato existe um mito na desvalorização da capacidade profissional “desarmada” ou “desinstrumentalizada” do médico de ouvir a história de seu paciente, interpretá-la, perceber sua linguagem verbal e corporal, examinar e valorizar os sinais e outras manifestações semióticas, comparando-as com os parâmetros da normalidade, chegar a conclusões baseadas em sua experiência clínica, e no que consegue resgatar da riquíssima memória científica médica acumulada, levantar dúvidas, estimar a margem de segurança dos resultados e do prognóstico, oferecer ao cliente as opções de tratamento disponíveis e com ele tomar decisões, acompanhar a implementação das possíveis intervenções, e avaliar continuamente erros e acertos observando a evolução, além de oferecer segurança e empatia, muitas vezes, suficientes para alcançar a cura.
Designar a interposição de máquinas e equipamentos entre o médico e o paciente como ato de alta complexidade, eu diria que é mais do que um mito, é um embuste para valorizar o uso das máquinas e para justificar a alienação e o descomprometimento profissional.
O processo médico por natureza - e se for bem feito - é sempre de alta complexidade, e demanda tempo, dedicação, e mobilização de esforço mental cognitivo e afetivo. Historicamente, na promoção ou criação dos mitos e embustes, não deve ser pequena nossa responsabilidade como médicos. Sempre houve charlatões - e com sucesso na população - que não despreza a magia e o mito.
Todos (indústria, empresas, instituições hospitalares, políticos e outros oportunistas) que garimpam no terreno que nos cabe, sabem tirar proveito do espaço que cedemos, bem como de nossas fraquezas e falhas. E progressivamente caímos também na fantasia do milagre (mito) que cultivamos, seduzidos pela ilusão de poder, eficiência, redução de trabalho e de custos.
Não é minha intenção, como também não deve ter sido a do Dr. Deoclécio, de menos prezar o auxílio que os aparelhos e a tecnologia oferecem ao processo médico. O mito está em pensar que as máquinas o substituem com vantagem, e de chamar de alta complexidade esta troca ou interposição.
A distorção do processo médico, sob qualquer pretexto só traz desvantagens para o paciente, para o médico, para a profissão, para a ciência, para a economia e para a sociedade como um todo. Este mito da alta complexidade tecnológica, bem como a exploração da ingenuidade ou ignorância, com propostas de cura impossíveis ou métodos mirabolantes, “sistemas” ou programas assistenciais alternativos, poderiam ser considerados como equivalentes atuais e sofisticados do charlatanismo tradicional.
Apesar de já degradados, não nos damos conta do poder social que temos e de quanta confiança as pessoas e a sociedade depositam ainda em nós. É uma pena que nos submetamos às máquinas, aos sistemas e empresas, confiemos demais nos produtos químicos e deixemos de exercer em plenitude e com toda sua complexidade própria, insubstituível e inalienável, nossa arte e ciência.
Um abraço
Aloyzio Achutti - médico cardiologista em Porto Alegre
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Gostei imensamente do artigo do Dioclécio. O homem é um craque no estilo e no conteúdo; seus argumentos são irreprocháveis e trabalha para derrubar o mito da tecnologia médica – tal como é praticada na atualidade – e que faz dos profissionais de saúde meros instrumentos ou peças dessa engrenagem tecnológica, montada para produzir lucros, pouco importando resultados. Falar em “humanização da medicina” nesse contexto tão pesado parece brincadeira. “Para muitos, o texto do Dioclécio vai ser recebido com um meio-sorriso condescendente e a exclamação a meia-voz -, para os seus botões, naturalmente –” Ah, esses idealistas ingênuos...; mas, são esses ingênuos que primeiro vêm essas distorções e que denunciado-as, ajudam na construção do (novo) equilíbrio entre HUMANISMO E TÉCNICA. Valeu. Abs, Geniberto
Comentário de Geniberto Campos - médico cardiologista em Brasília
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