24 de novembro de 2012 | N° 17263
ARTIGOS
Perspectiva, por Aloyzio Achuti*
Somos indivíduos naturalmente bastante isolados uns dos outros, embora profundamente interdependentes na conjuntura social. Não existimos, nem conseguimos subsistir sem os outros e sem ligações com o meio no qual vivemos. É um desafio da seleção natural testando-nos ao desvendar os caminhos da comunicação, e buscar o equilíbrio entre o individual e o coletivo.
A biologia já nos apontava para a charada: nós e os demais seres vivos somos compostos de células enclausuradas, aparentemente completas e suficientes, mas não para sobreviver por mais de alguns minutos sem interação com nossas outras partes, com outros seres vivos e com o ambiente. A comunicação é essencial para a vida: entre as células de um mesmo organismo, entre todos os seres vivos, através de mediadores e receptores químicos ou físicos, da visão de expressões gestuais, mímicas e afetivas, da linguagem, do tato, da audição, e também do gosto e do olfato. Aprendemos a valorizar, desenvolver e utilizar múltiplos recursos para marcar nossa presença, nosso espaço, nossas carências, nossos medos, nossos interesses e nossos prazeres.
Em nossa profissão aprendemos a tratar indivíduos doentes ou com risco de adoecer e, tradicionalmente, nos satisfazemos com a cura ou o alívio do sofrimento de cada paciente. Com a descoberta dos agentes infecciosos e a possibilidade de controlar epidemias, passamos a contemplar a população, aprendemos a lidar com grandes números e tentar entender o coletivo.
Bem logo não foi mais suficiente identificar os vilões externos à nossa espécie para explicar a causalidade, especialmente no grande contingente de enfermidades que – na falta de melhor definição – eram rotuladas como fatalidades degenerativas. Passamos a confessar nossa culpa, chamando-as de doenças fabricadas pelo próprio homem. Entretanto, na virada do século, ao serem definidas as prioridades para o novo milênio, este grupo foi novamente esquecido – quem sabe como última tentativa de fugir à responsabilidade. Somente no ano passado uma reunião de alto nível foi convocada pela ONU para corrigir a omissão e incluir as doenças crônicas (também chamadas de não transmissíveis).
Levou cerca de meio século (embora já estivesse incorporado na política de saúde pública em vários lugares, inclusive em nosso Estado) para se reconhecer a determinação social das doenças, e não somente daquelas rotuladas como infecciosas ou transmissíveis. E não basta levar em conta o que acontece dentro de cada indivíduo, fazendo depois um somatório para medir o seu impacto. Tão ou mais importante é o que acontece entre os indivíduos, como nos relacionamos entre nós e com o espaço onde vivemos.
A visão da realidade urbana facilita contemplar as estruturas e a dinâmica social que denunciam as desigualdades. Diferenças sem causa genética podem ficar inexplicáveis por mais que reviremos cada indivíduo pelo avesso, mesmo usando todos os recursos que a ciência e a tecnologia nos oferecem. É necessária a perspectiva do conjunto, com suas íntimas relações, para poder compreender o indivíduo...
*MÉDICOA biologia já nos apontava para a charada: nós e os demais seres vivos somos compostos de células enclausuradas, aparentemente completas e suficientes, mas não para sobreviver por mais de alguns minutos sem interação com nossas outras partes, com outros seres vivos e com o ambiente. A comunicação é essencial para a vida: entre as células de um mesmo organismo, entre todos os seres vivos, através de mediadores e receptores químicos ou físicos, da visão de expressões gestuais, mímicas e afetivas, da linguagem, do tato, da audição, e também do gosto e do olfato. Aprendemos a valorizar, desenvolver e utilizar múltiplos recursos para marcar nossa presença, nosso espaço, nossas carências, nossos medos, nossos interesses e nossos prazeres.
Em nossa profissão aprendemos a tratar indivíduos doentes ou com risco de adoecer e, tradicionalmente, nos satisfazemos com a cura ou o alívio do sofrimento de cada paciente. Com a descoberta dos agentes infecciosos e a possibilidade de controlar epidemias, passamos a contemplar a população, aprendemos a lidar com grandes números e tentar entender o coletivo.
Bem logo não foi mais suficiente identificar os vilões externos à nossa espécie para explicar a causalidade, especialmente no grande contingente de enfermidades que – na falta de melhor definição – eram rotuladas como fatalidades degenerativas. Passamos a confessar nossa culpa, chamando-as de doenças fabricadas pelo próprio homem. Entretanto, na virada do século, ao serem definidas as prioridades para o novo milênio, este grupo foi novamente esquecido – quem sabe como última tentativa de fugir à responsabilidade. Somente no ano passado uma reunião de alto nível foi convocada pela ONU para corrigir a omissão e incluir as doenças crônicas (também chamadas de não transmissíveis).
Levou cerca de meio século (embora já estivesse incorporado na política de saúde pública em vários lugares, inclusive em nosso Estado) para se reconhecer a determinação social das doenças, e não somente daquelas rotuladas como infecciosas ou transmissíveis. E não basta levar em conta o que acontece dentro de cada indivíduo, fazendo depois um somatório para medir o seu impacto. Tão ou mais importante é o que acontece entre os indivíduos, como nos relacionamos entre nós e com o espaço onde vivemos.
A visão da realidade urbana facilita contemplar as estruturas e a dinâmica social que denunciam as desigualdades. Diferenças sem causa genética podem ficar inexplicáveis por mais que reviremos cada indivíduo pelo avesso, mesmo usando todos os recursos que a ciência e a tecnologia nos oferecem. É necessária a perspectiva do conjunto, com suas íntimas relações, para poder compreender o indivíduo...
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