Dona L. paciente com quase 111, anos faleceu no domingo passado.
Ela era única, pois nos meus 57 anos de profissão como médico nunca tive uma cliente que tivesse vivido tanto, e certamente não terei nenhuma chance de repetir a experiência. Também não conheci ninguém tão longevo - mesmo fora da atividade clínica - e acho que pouca gente tem esta chance.
Por estas simples razões, sinto-me compelido, com um misto de pesar, e ao mesmo tempo com a alegria de sua memória, a participar seu falecimento.
Meu primeiro registro de Dona L. data de 02 de setembro de 1963, com quase cinco anos de formado. Por indicação de um colega (Dr. Jol Pereira da Rosa - falecido aos 80 anos em 2007) ela resolveu me procurar (então com 52 anos), logo após o falecimento de seu esposo Domingos Arnaldo Donadio.
Quando ela se aproximava do centenário, eu lhe dizia em tom jocoso: vou lhe colocar em meu currículo, não porque a senhora esteja tão bem por minha causa, mas porque tenho conseguido não lhe atrapalhar ou fazer mal…
Já tivemos várias clientes centenárias, atualmente ela era a única representante do grupo. Sempre foi muito comunicativa e nos dava alegria de atendê-la. Tinha excelente memória que lamento não ter aproveitado para explorá-la mais em nossas conversas.
Esteve lúcida até próximo aos 110 anos e ainda se comunicando até um ano atrás. No início de 2015 esteve hospitalizada por problema respiratório, e desde a internação permaneceu dependente de alimentação por sonda nasoentérica.
Seus exames de laboratório até recentemente sempre foram muito bons. Nunca precisou de muita medicação. Em 2013 foi examinada pela neuropsicóloga Renata Kochhann, com avaliação favorável, em que pese dificuldade de encontrar parâmetros comparativos para o grupo dos centenários. Foi também acompanhada nos últimos tempos pela geriatra Dra. Laura Maria Arieta Barcellos.
Antes da última hospitalização seu problema maior foi uma fratura de colo de fêmur em consequência de uma queda aos 107 anos. Consegui acelerar a fila da internação perguntando ao cirurgião quantos anos tinha a paciente mais idosa que ele havia atendido...
Como seria de se esperar era a Rainha de uma família muito amável, e era irmã do político Armando Temperani Pereira, Deputado Estadual pelo PTB, professor da Faculdade de Economia da UFRGS, e caçado pela ditadura militar.
Para mim e para minha esposa, Dra Valderês, foi uma distinção ter acompanhado sua trajetória e poder comprovar nossa potencialidade de viver vinte a trinta anos a mais do que habitualmente aceitamos como limite razoável.
Nossos cumprimentos à família que lhe deu suporte e motivações para viver tanto.
1 comment:
Muito obrigada Drº Aloyzio Achutti por ter me concedido a honra de conhecer alguém com uma história de vida tão longa e bem sucedida.
Meus sentimentos aos familiares e agradecimento pela dedicação no seu cuidado diário em seus últimos anos de vida.
Abraços a todos com a esperança de que possamos desfrutar também de vários anos de vida bem sucedidos e com muita saúde física e mental.
Renata Kochhann
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