Ciência e Arte
Aloyzio Achutti. Médico.
O extraordinário desenvolvimento científico leva-nos à ilusão de que ciência e tecnologia são suficientes, desvalorizando a arte necessária para a aplicação do conhecimento e das habilidades. Qualquer atividade profissional - em especial a medicina - exige ciência e arte para compatibilizar ciência com humanidade. Conforme William Osler (pai da clínica moderna) a incerteza biológica deve, e precisa, ser complementada pela arte da probabilidade.
A sensação de onipotência que acompanha o crescimento do poder, carrega riscos, e malefícios colaterais. Já se disse que não seremos salvos somente pela ciência - por mais que confiemos nela - pois para humanizá-la, a arte é necessária e essencial.
O progresso do conhecimento, e o montante dos recursos acumulados, nos levaram à especialização, afastando-nos da pessoa em sua integridade, e integrada em seu contexto. Concentrando a atenção num sistema ou num órgão isolado, facilmente perdemos a noção de que nosso organismo é formado por um conjunto naturalmente integrado de dez trilhões de células, em permanente interação vital. Somos também alimentados por um número dez vezes maior de bactérias (sem as quais não conseguiríamos nos manter vivos), além de uma quantidade ainda muito maior de virus, a viver - entrando e saindo - de nossas células, e de nossas bactérias, trocando material genético, evoluíndo, e nos ajudando a evoluir.
Através de meios cada vez mais sofisticados, aumentando o poder de resolução do microscópio, e do computador, aprendemos sobre o genoma e o microbioma, sobre os segredos de funções naturalmente auto-controladas. Tentamos intervir nas trocas constantes, com a pretensão de saber mais do que a natureza.
Entretanto, dificilmente abrimos a janela para perscrutar o mundo exterior e de relação, onde têm origem quase todas as doenças. É na dinâmica familiar, nas condições sociais de vida e de trabalho, e no ambiente constantemente modificado por nos mesmos, onde se originam os males, objeto de nossa atividade profissional.
É provável que nosso desânimo se origine de nossa impotência e incompetência de interferir na política, na voracidade do mercado, e no controle dos instintos. Até agora o conhecimento da psicologia humana e do processo decisório, tem sido mais explorados pelos interessados de tirar vantagem de outro tipo: de manipular as massas, de artimanhas para iludir, esconder, e desviar ou atrair atenção.
Mesmo não sendo responsáveis pelas decisões individuais ou coletivas, não podemos deixar de comprende a conjuntura e denunciar seus vícios.
É provável que o maior desafio atual da medicina esteja na visão contextualizada do paciente dentro de sua família, da comunidade, das estruturas, e da cidade onde vive.
Misericórdia - alíviar a dor e o sofrimento - é nossa primeira missão. Se nossas intervenções físicas ou químicas forem impotentes, sempre haverá oportunidade para o consolo de um gesto de carinho. Somente com mais médicos cientistas, não conseguiremos alcançar nosso objetivo de prevenir e curar pessoas, componentes de organismo social extremamente doente (basta ver os sintomas: ódio, cobiça, destruição, drogadição, falsidade, corrupção…). Na prática nos médicos já aprendemos quão difícil e frustrante é tratar um órgão isolado num corpo enfermo. Muitas vezes é preciso dar suporte para a sobrevivência, na esperança de que o próprio corpo reaja...
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