Translate AMICOR contents if you like

Saturday, July 27, 2013

Mais Médicos...

De: Maria Ines Reinert Azambuja
Ontem mandei este texto para a Zero Hora e a Folha...
Não tenho muita expectativa de que publiquem, pois trata de interesses de seus anunciantes e financiadores...
Se publicarem,  pode ser um vespeiro... Sei que estou contra a corrente (mais uma vez...)...

Mas acho que este é o momento de discutirmos isto, antes de ampliarmos o numero de cursos e de médicos no Brasil...
Formar médicos no Brasil é muito caro e acho que eles devem ser utilizados da forma mais custo-efetiva possivel... 

O profissional chamado Médico em Cuba é diferente, adaptado à realidade local... Mais barato que o nosso, e portanto podendo existir na proporção que existe lá  (1 médico para 143 habitantes em 2011 - http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/juan-carlos-raxach-carta-de-um-medico-cubano.html ).

Maria Inês

Crise e oportunidade para repensarmos o modelo SUS de atendimento à população
Maria Inês Azambuja, Médica Sanitarista, Prof. do Departamento de Medicina Social da UFRGS, Membro do Programa de Extensão e Pesquisa em Saúde Urbana, Ambiente e Desigualdades da UFRGS.
Há duas semanas os médicos brasileiros e as Universidades foram surpreendidos por uma Medida Provisória que, autoritariamente, sem discussão prévia, autorizava a entrada de médicos estrangeiros sem validação de diploma para atenderem “as periferias” do Brasil, criava mais vagas e cursos de Medicina e aumentava sua duração de 6 para 8 anos, para que, nos 2 anos adicionais, os “internos/médicos?” das Universidades públicas e privadas fizessem atendimento básico em postos de saúde do SUS. Como amplamente divulgado, os pressupostos para estas intervenções seriam a falta de médicos no país e a necessidade de ampliar a oferta de atendimento aos mais pobres nos locais onde eles vivem. Além de absolutamente desastradas na forma como foram encaminhadas, medidas que visam aumentar a distribuição de médicos em pequenos postos de saúde nas periferias parecem ir em direção oposta à voz das ruas, que pede aumento de vagas em hospitais, UTIs  e para procedimentos especializados de média complexidade hoje com grandes listas de espera como cirurgias ortopédicas, de catarata, etc... Temos aqui, acredito, um ponto importante que a sociedade brasileira precisa re-discutir: o modelo de atenção à saúde que deve estruturar o SUS.
À partir da virada do século, há, documentadamente, importante pressão das organizações internacionais para que os países em desenvolvimento reformem seus modelos de atenção à saúde, passando de modelos voltados ao atendimento a condições agudas (pronto-atendimento) para modelos direcionados à detecção precoce e tratamento continuado de doenças cronicas (para referências, ver https://www.researchgate.net/publication/250612381_The_CVD_epidemic_alert_-_Global_Dialogue_PROCOR_82004_httpwww.procor.orgglobaldialogueglobaldialogue_show.htmdoc_id723424?ev=prf_pub ).  Esta pressão, fortemente motivada por interesses da industia farmacêutica  multinacional, soube habilmente cooptar movimentos sociais e os profissionais mais comprometidos social e politicamente com a saúde dos mais pobres, e resultou aqui no movimento de tornar a estratégia de saúde da família a espinha dorsal do SUS.  
Se este modelo generoso parece ter funcionado em Cuba, e na Inglaterra, por que não aqui? Em primeiro lugar é preciso reconhecer que há enormes diferenças entre o Brasil, Cuba e a Inglaterra. Somos um país gigante vivendo hoje resultados complexos  de um processo de urbanização/ metropolização que se iniciou há apenas 50 anos! Cuba é muito pequena e menos complexa do que o Brasil. E a Inglaterra – que já no final do século XIX  tinha em boa parte superado os desafios postos pela sua industrialização/urbanização,  implantou seu sistema nacional de saúde no pós-guerra, terra arrasada para todos, onde um grande pacto social conseguiu acontecer e não só no serviço de saúde. Adicionalmente, e talvez mais importante, no Brasil, ao contrário de Cuba e da Inglaterra, somos totalmente dependentes de toda a tecnologia e insumos que consumimos no setor saúde (E cabe perguntar, quando se produz saúde? Quando produzimos insumos e geramos riqueza e renda ou quando os consuminos e geramos deficit comercial?).
O SUS é, para a Industria multinacional, simplesmente o mercado dos sonhos...  Está na constituição que todos tem direito à Saúde, aqui entendida – graças, novamente, a inúmeras causas judiciais patrocinadas pela indústria – como direito à assistência e a tudo o que vem junto, especialmente exames e medicamentos.
A partir da década de 60, quando o padrão de adoecimento da população no primeiro mundo começa a mudar do predomínio das doenças infecciosas para maior mortalidade por doenças cronicas, a saúde pública inicia uma transição também. Se para prevenir doenças infecciosas a estratégia era em boa parte coletiva – controle de vetores, saneamento, controle de alimentos – e vacinas, para prevenir doenças cronicas não transmissíveis uma aproximação com a Medicina tornava-se estratégica. A identificação dos chamados “fatores de risco”para doenças do coração (colesterol elevado, pressão alta e fumo) de um lado, e o desenvolvimento por Leavel e Clark, na década de 60, de um framework para trazer para a atenção médica individual as responsabilidades para com a prevenção e mesmo a promoção da saúde, confluiram, com o tempo, para o discurso hegemônico hoje de que o “tratamento médico preventivo” (mais e mais com o uso de medicamentos) deve ser perseguido prioritariamente como política de saúde pública, ou correremos o risco de  enfrentar num futuro proximo uma situação catastrófica para nossas populações!!! (ver  referência).
Mas isto é verdade? Ou, visto por outro lado, não estamos vivendo de qualquer forma uma situação catastrófica para a saúde da população ao abandonarmos o atendimento das condições agudas que ameaçam a vida em troca de uma quimera de menos catástrofe no futuro se investirmos (com medicamentos e procedimentos) nos saudáveis de hoje?
Este parece ser um bom momento para retomarmos esta discussão... Mais médicos isolados nas periferias (e agora com os vetos à lei do ato médico, também enfermeiras) para identificarem hipertensão e diabetes entre assintomáticos e iniciarem tratamentos medicamentosos com drogas que pagam royalties para as multinacionais , ou mais serviços melhor estruturados nos centros das periferias, com  retaguarda qualificada de especialistas e para atenderem prioritariamente quem está doente hoje – e portanto com menor necessidade de médicos? e mais investimento multisetorial em prevenção realizado prioritariamente com recursos locais: praças, melhorias na habitação, estímulo fiscal à alimentação saudável, lazer, melhores condições de trabalho e de vida –  capazes de  gerar aqui o emprego e renda (nas indústrias esportivas, de vestuário, de alimentos, de serviços de alimentações e esporte, etc...) que de fato contribuem para produzir mais saúde para todos?

22 de Julho de 2013

No comments: