Recomendado pelo Sérgio Goldani
NOSSAS NARAYAMAS
Franklin Cunha, Médico. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras
A Balada de Narayama filme de 1983, mostra o cotidiano de uma vila no Japão do século XIX. Isolados nas montanhas seus habitantes tinham um cotidiano restrito à produção de alimentos, que mesmo com grandes esforços era muito limitada. Nossa sociedade baseada no consumo e acumulação de bens, cada trabalhador produz muito mais do que pode consumir e o excedente é comercializado. Na pequena vila japonesa cada um produzia o que consumia, não havia trabalho alienado ou exploração por terceiros gerando mais-valia, mas as técnicas de plantio e coleta eram rudimentares, o inverno rigoroso e quando a produção baixava não havia excedentes para a parcela improdutiva da população, ou seja, crianças e velhos incapazes para o trabalho e para a produção.
A população não podia aumentar, recém-nascidos só eram aceitos quando havia alguma morte, assim permanecendo estável a densidade populacional. Para resolver o problema de um nascimento quando não havia nenhum óbito as meninas eram vendidas e os meninos eram mortos.
Não menos chocante era o destino dos idosos. Por volta dos 70 deviam deixar a vila, ainda que estivessem lúcidos. Os dentes perdidos eram um sinal de que já não podiam contribuir para o próprio sustento e que logo se tornariam um peso para seus descendentes. Eram levados por um membro da família para morrer em Narayama, uma montanha que abrigava os restos mortais de diversas gerações de idosos e assim deixavam espaço familiar para um novo membro.
Em 2003, uma onda de calor na França matou 14 802 pessoas, a maioria idosos e em toda a Europa cerca de 50.0000. Grande parte da população ativa estava de férias no Mediterrâneo enquanto os velhos morriam sozinhos nos asilos geriátricos ou nos hospitais rodeados de aparelhos, entubados ou sedados por drogas.
Na verdade, também nossa sociedade de abundância e de consumo seletivos, continua descartando seus velhos, mas de forma mais sofisticada do que faziam os pobres aldeões japoneses. O que permanece igual, é a solidão afetiva que se observava tanto em Narayama como nas casas-depósitos geriátricas da chamada pós- modernidade.
A Reforma da Previdência proposta pelos governos neoliberais de todo o mundo é uma forma de nos livramos dos velhos e de enviá-los para nossas Narayamas.
Sob a ótica da economia neoliberal, se os velhos não mais votam e nem produzem, seu destino é o isolamento, a solidão, a desafeição e a morte.
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