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Tuesday, October 18, 2011

Crise de Identidade


18 de outubro de 2011 | N° 16859

ARTIGOS

Crise de identidade, por Aloyzio Achutti*

Na medicina, tentamos preservar princípios éticos consagrados desde 400 anos antes da era cristã (ao menos para nós, ocidentais). Precisamos de profissionais para nos orientar quando sentimos ameaçada nossa saúde, ou que nos cuidem quando fragilizados pela doença. Confiança e dignidade são essenciais nessas horas.

Afora a mística que reveste e protege a relação humana, tudo o mais mudou com o desenvolvimento científico e tecnológico. As chances de intervenção e de sucesso aumentaram enormemente, mas, na mesma proporção, os riscos e responsabilidades. Conhecimento, capacidade e habilidade individuais não são mais suficientes para utilizar todos os recursos disponíveis. Surgiram especialidades, trabalho organizado e em equipe, e integrado com outras profissões. Os custos também aumentaram astronomicamente, na mesma proporção ou mais do que o progresso, exigindo estratégias de previdência e sociais.

Ficou evidente que a vida e sua qualidade não dependem apenas de cada indivíduo, mas da sociedade e do ambiente onde convivemos e de onde tiramos nosso sustento. Também descobrimos ser necessário intervir mais precocemente, prevenir e não somente remediar. Desviamos a atenção para além do setor saúde e chegamos à conclusão de que médicos sozinhos ou mesmo em equipe nos tornamos insuficientes para alcançar os objetivos a que nos propomos, e que a sociedade de nós espera.

De profissionais liberais e independentes, passamos a peças de um complexo que, para funcionar, precisa estar integrado e ter suporte político, econômico e social. As circunstâncias nos obrigaram a colaborar com outros agentes e instituições com princípios e objetivos distintos e muitas vezes sem os recursos necessários. Continuamos como símbolo e esteio da saúde, mas não somos os responsáveis pelas escolhas feitas pela sociedade e pelas suas lideranças políticas e econômicas. Resta-nos aconselhar, orientar e denunciar tudo aquilo que foge ao alcance de nossos braços.

Nós mesmos entramos em conflito e sofremos crise de identidade, atribuindo-nos funções que nos escapam ao controle. É preciso deixar bem claro para a sociedade e suas lideranças até onde alcança nossa responsabilidade, e que condições e recursos são necessários para conseguir curar, prevenir doenças e preservar a saúde.

Como médicos, preparamo-nos para ser excelentes cuidadores, habilidosos técnicos, perspicazes cientistas, bons organizadores de serviços, e comunicadores sociais, mas não temos condições de realizar milagres sem recursos, sem dignidade, sem chegar às raízes dos problemas situadas fora do setor saúde. Os princípios postulados em nosso código de ética é que distinguem nossa profissão, nos identificam e nos conferem dignidade, entretanto continuamos como cidadãos comuns com os deveres e direitos de exigir definições políticas adequadas, boa gestão dos recursos sociais, e controle da corrupção.
*MÉDICO

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