Conheça o Crispr, técnica de edição do DNA que promete mudar o mundo
Reprodução | ||
PUBLICIDADE
Uma nova ferramenta de edição genética capaz de mudar completamente o mundo que conhecemos cada vez mais perde o rótulo de promessa e ganha o de "realidade".O nome da técnica é Crispr-Cas9 (lê-se crísper-cás-nove) e ela reúne características que surpreendem até mesmo os biologistas mais experientes e está para o genoma assim como um processador de texto está para as palavras e frases de uma redação.
Simplificadamente, agora é possível eliminar partes indesejadas do genoma –que causam doenças– e, se necessário, inserir novas sequências no local.
Antes, eram oferecidos genes inteiros para células doentes na esperança de que elas os acolhessem e os incorporassem. A maquinaria de edição do Crispr permite atuar diretamente no gene defeituoso, como um míssil teleguiado, atingindo um grande número de células-alvo.
Na técnica, a enzima Cas9, uma nuclease, corta as duas fitas da dupla hélice do DNA, abrindo espaço para a inserção, se for o caso, de um novo trecho (veja infográfico). Agora também é possível uma edição "sem corte" do DNA –útil para alterar uma única "letra" do genoma.
A novidade está na última edição da revista "Nature". Mutações de uma única "letra" causam doenças como anemia falciforme e aumentam propensão a alguns cânceres.
No caso da distrofia muscular de Duchenne, doença progressiva e letal, a técnica poderia beneficiar 80% dos pacientes, ao cortar fora um trecho "errado" do DNA das células musculares.
As possibilidades são infinitas. Recentemente, cientistas mostraram, usando o Crispr, ser possível "empurrar" mosquitos vetores de doenças (como o anopheles, da malária e o aedes, da dengue e da zika) rumo à extinção ao favorecer a herança de genes letais entre as fêmeas. Outro exemplo icônico é experimento que extirpou o HIV de uma cultura de células humanas.
Para entender o possível impacto do Crispr e de outras futuras técnicas de manipulação genética, tem de se ter em mente que humanos, vacinas, agropecuária, vacinas –todo o mundo vivo ou que depende dele– estão na mira.
Células embrionárias podem ser modificadas para um bebê não ter fibrose cística, distrofia ou propensão ao diabetes e à obesidade.
Bactérias capazes de degradar de poluentes, como óleo, podem ser aperfeiçoadas. Plantas com altíssima capacidade de sequestro de carbono (capazes de atenuar o aquecimento global) podem estar logo ali, alguns anos adiante.
Com relação à saúde, não é uma técnica que apenas eliminaria uma bactéria ou vírus, mas que teria potencial de arrumar tudo o que está "errado" na célula. Saber o que é "errado" envolve uma grande discussão bioética, porém.
Cientistas de várias partes do mundo estão em uma espécie de corrida armamentista para ver quem consegue ir mais longe com o Crispr. Uma preocupação é quando o primeiro bebê-Crispr nascerá. Houve até proposta de "trégua" na área, da cientista Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
A ideia de Doudna seria a de que houvesse diretrizes, ou, ao menos, um "guia de boas práticas" para quem estivesse usando a ferramenta em células embrionárias humanas. No Reino Unido, por exemplo, já há pesquisas com embriões humanos com a finalidade de melhorar o desempenho da reprodução assistida.
DINHEIRO
O Crispr não é uma invenção humana e o acrônimo significa "repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas". Originalmente, trata-se de um recurso utilizado por organismos unicelulares contra a invasão de vírus. A transformação desse conhecimento em técnica genética só ganhou importância no início desta década.
Doudner e sua colega Emmanuelle Charpentier iniciaram o processo de patenteamento em 2013, pouco antes de Feng Zhang, do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) fazer o mesmo por uma via menos burocrática.
Zhang teve sucesso, e iniciou-se uma disputa institucional e pessoal para ver quem é o dono do Crispr. Dada a gama de possíveis aplicações, o potencial de exploração econômico da técnica é incalculável. O mundo ainda aguarda a decisão da justiça americana.
Por ora, já existem empresas explorando o potencial do Crispr e engordando a conta de Zhang. Só neste mês de abril, a Intella Therapeutics, joint venture da qual participa a farmacêutica Novartis, deve captar quase US$ 120 milhões em investimentos. Outra empresa, a Editas Medicine, levantou US$ 94 milhões em sua oferta pública inicial.
Mesmo com a briga judicial, provavelmente o risco do negócio vale a pena.
No comments:
Post a Comment