No domingo passado enviei o artigo abaixo para ZH mas não foi publicado. Vai agora como homenagem póstuma ao amigo, colega e ex-chefe. Certamente nossa interação naquela época foi muito importante para podermos alcançar nossas pretensões e dele vou guardar saudosa memória.
MOACYR SCLIAR
Aloyzio Achutti. Médico.
Cheguei a pensar num mundo onde, médicos - particularmente os dedicados à saúde pública - fossem isentos ou tivessem algum privilégio frente às taxas de morbidade a que cidadãos comuns estão sujeitos. Assim como uma vez algumas categorias sociais não pagavam imposto de renda, ou políticos e seus parentes têm direito a passaporte especial, ou salário vitalício de governador, assim também poderíamos reivindicar algum tipo de vantagem ou proteção especial para quem se dedicasse durante tantos anos a promover saúde...
Não passa de um delírio de inconformidade frente ao mal no mundo. Este devaneio é apenas uma liberdade frente a tanta desigualdade em saúde e social, às quais já nos acomodamos, e não custa dar asas à fantasia.
Nas décadas de 70 e 80 trabalhei ao lado dele no Departamento de Saúde Pública da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente, por vezes até respondendo por sua função. Certamente sua visão e seu apoio, cercado por uma equipe excepcional (tanto que estenderam sua missão pelo Brasil e pelo mundo a fora), foi fundamental nas definições de política de saúde para que nos tornássemos uma verdadeira incubadora, e fossemos pioneiros em programas que serviram de modelo e de experimento operacional para o país e para o mundo.
Só para citar alguns daqueles com os quais estive envolvido: programa de prevenção da febre reumática na comunidade, prevenção do tabagismo - a partir da população escolar, controle da doença hipertensiva, do diabete, da obesidade do sedentarismo, e uma pesquisa com a maior amostra populacional do hemisfério sul na época, sobre pressão arterial e fatores de risco na população adulta de todo o Rio Grande do Sul.
Reparem que foi há mais de 30 anos, lutando contra problemas que hoje ocupam a mídia em todo o mundo, englobados no conjunto das doenças crônicas, agora chamadas de a “real epidemia” dos dias atuais.
Companheiros daquelas lides, dos cursos de saúde pública, dos treinamentos de chefias e de recursos humanos, das avaliações de impacto dos programas, das discussões sobre prioridades e planejamento, todos nós nos sentimos roubados com a doença - pode-se, dizer precoce - de nosso amigo, parceiro, e chefe.
Outros dotes e outros feitos não precisam ser alardeados porque todo mundo lia seus artigos, seus livros, e o contemplava como membro da Academia Brasileira de Letras.
Embora muito ainda nos venha à memória, de quem foi também colega de faculdade de minha esposa, penso com este depoimento estar ajudando a iluminar uma de suas facetas, quem sabe, tão ou mais importantes do que as que o tornaram mais conhecido, especialmente se contarmos quantas pessoas se beneficiaram e ainda seguirão gozando dos reflexos de sua participação na política de saúde de nosso Estado.
Uma das lições aprendidas com ele ajuda-me a encerrar por aqui. Lembro-me bem do momento em que me deu o conselho, ao descermos de um voo internacional. Eu começava a enviar alguns artigos para Zero Hora. Disse-me ele: “tenta dar o teu recado numa única página somente. É melhor para preservar a atenção dos leitores, e espaço em jornal tem preço”...
Já que ele não goza de isenções e imunidade para doenças crônicas, nos resta rezar pela recuperação do colega, companheiro e amigo.