O Relógio da Vida
Aloyzio Achutti
Dia-ano-século-milênio, e o compasso do tempo se perpetua, acionado pela mola da memória e da imaginação, na medida em que o presente, em busca do futuro, vai se arquivando no passado…
O dia e o ano têm um ritmo natural, evidente no ciclo diuturno e no sazonal. Os outros entretanto - comemorações periódicas, século e milênio - têm muito de convenção, mas não deixam de ter seu significado no contexto histórico, porque mesmo não marcados pelo relógio cósmico ou biológico, guardam o tique-taque da vida humana e as badaladas de seus eventos mais marcantes.
Em geral, nas muitas cronologias publicadas, o interesse recai nos grandes sucessos, nas descobertas maravilhosas, nos desastres, nas guerras e em seus personagens mais famosos. Ao rever o espetáculo, com atenção para as grandes datas, para as horas cheias, para eventos marcantes e seus super-heróis, perde-se o pulsar quase imperceptível dos minutos e segundos, de componentes menores, de pessoas comuns, não desprezíveis, nos quais a vida e a história se realizam.
A pertinácia em realizar, resistir, conservar-se vivo e se comunicar, como a deste jornal e seu criador, é o que importa, dá enredo e sentido à história.
A alegoria do relógio que marca o tempo, nos faz pensar também na supervalorização do espetacular, fazendo sombra ao dia a dia. O culto aos super-heróis, em detrimento das pessoas comuns, pode ser uma das características exageradas de nosso tempo. Se o individualismo abriu caminho para a concentração de riquezas, marginalizando multidões, como o pêndulo de um grande relógio, o coletivismo exagerou para o lado oposto - mas com idêntica repercussão sobre as pessoas - concentrou o poder em alguns poucos líderes, enquanto criou uma expressão borrada e homogeneizada do conjunto da humanidade.
A sabedoria da vida está na biodiversidade, ao se dispersar e se auto-regular, reproduzindo-se, preservando a identidade de cada um de seus elementos fundamentais, apesar da monotonia do ritmo do tempo. Mesmo gêmeos univitelinos, com genoma idêntico na primeira partição, vão se diversificando com a experiência da vida. O grande engano vem da padronização, do estereótipo, da formatação que, se bom para a produção industrial e para aumentar a eficiência de qualquer processo, ou para tentar controlar o comportamento, é incompatível com a vida, dentro de sua complexidade e individualidade de cada ser. Embora a batida do relógio seja monótona e relativamente rígida, cada segundo de vida é diferente do anterior e exige contínua adaptação evolutiva.
A quebra dos códigos que garantem a biodiversidade, tido como dos maiores feitos científicos, dá-nos uma ilusão de poder de vida e morte, recuperação garantida da saúde e destruição inconsequente do equilíbrio vital. A natureza, no entanto, se reserva um último truque ao disponibilizar a vida do corpo e da mente, não como um produto acabado, moldado definitivamente pela prensa genética, porém como algo que se sustenta no tempo, se renova e se adapta na fugacidade de cada instante, nesse enorme relógio que vai diferenciando cada indivíduo, não permitindo a perda da identidade de cada um.
Salve os quinze anos do Jornal Mente e Corpo e o centenário de seu criador.
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