Esta pergunta é das primeiras que
em geral fazemos quando doentes, ou quando algo mais de ruim nos acontece. São
bem conhecidas as etapas pelas quais passamos ao tomar contato com o
infortúnio: negação, ira, negociação, depressão e aceitação. Deve ser o caminho
natural da percepção até a incorporação da novidade, no caso, a má notícia.
Neste “porque comigo” não vai
somente surpresa ou busca indiferente da etiologia do mal. Em geral vem
acompanhado de um solilóquio mais extenso: “o que é que eu fiz para merecer
isso?”. É o componente de culpa e
castigo que nos acompanha ao tomarmos consciência da doença. Existe certamente
muito de cultural na relação entre perda da saúde e castigo. Pode ser um
arquétipo, mas certamente se relaciona com tempos sem explicações científicas
para fenômenos naturais. Fica difícil aceitar envelhecimento, doença e morte,
especialmente quando deles nos aproximamos ou temos que enfrenta-los.
Culpa só serve para evitar
reincidência no erro. Em nosso caso – como em grande parte das vezes doença não
acontece por responsabilidade nossa, ao menos direta e deliberada - a sensação
de culpa só vem aumentar desnecessariamente o sofrimento.
Embora o conceito de risco tenha
ajudado a compreender melhor o processo mórbido, e seja útil na prevenção, é de
se questionar possíveis abusos, mesmo que bem intencionados, beirando discriminação, intolerância e
terrorismo. Facilmente encontramos aí os
chamados fatores de risco comportamentais ligados à obesidade, sedentarismo,
tabagismo e adição ao álcool ou outros produtos causadores de dependência.
Não que se deva ignorar a
importância do desvio de comportamento na exposição aos fatores de risco, mas
sua determinação cultural e social precisa ser estudada, informada, discutida,
e seriamente considerada na programação de qualquer intervenção preventiva. É
provável que grande parte da sensação de culpa, e mesmo dos insucessos dos
programas de saúde pública estejam relacionados com essa falha. Nossa cultura
se satisfaz com a responsabilidade do indivíduo na busca do nexo causal, o que
se expressa também na conhecida busca de um bode expiatório em outras
circunstâncias.
É muito mais fácil jogar a culpa
nos indivíduos do que reformar a sociedade e mexer com as estruturas de poder e
de interesses que produzem uma distribuição desigual de fraquezas humanas e
lucram com sua exploração, até usando recursos e estratégias tecnológicas e de
mercado cientificamente embasadas.
Se ao menos a pergunta fosse
“porque conosco?”...
Recém realizou-se no Rio de
Janeiro uma conferência mundial sobre Determinação Social de Saúde e Doença. É
possível que se contemplássemos os males que nos afligem sob novo paradigma, os
que sofrem não teriam seus males reforçados ao assumirem culpa sozinhos, e poderíamos
alcançar maior sucesso em nossas pretensas ações preventivas.
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