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Friday, December 30, 2011

Porque comigo?

(Artigo meu publicado no jornal Mente & Corpo de novembro p.p. -ano IX No.81- dirigido pelo Dr. João Gomes Mariante)

Esta pergunta é das primeiras que em geral fazemos quando doentes, ou quando algo mais de ruim nos acontece. São bem conhecidas as etapas pelas quais passamos ao tomar contato com o infortúnio: negação, ira, negociação, depressão e aceitação. Deve ser o caminho natural da percepção até a incorporação da novidade, no caso, a má notícia.
Neste “porque comigo” não vai somente surpresa ou busca indiferente da etiologia do mal. Em geral vem acompanhado de um solilóquio mais extenso: “o que é que eu fiz para merecer isso?”.  É o componente de culpa e castigo que nos acompanha ao tomarmos consciência da doença. Existe certamente muito de cultural na relação entre perda da saúde e castigo. Pode ser um arquétipo, mas certamente se relaciona com tempos sem explicações científicas para fenômenos naturais. Fica difícil aceitar envelhecimento, doença e morte, especialmente quando deles nos aproximamos ou temos que enfrenta-los.
Culpa só serve para evitar reincidência no erro. Em nosso caso – como em grande parte das vezes doença não acontece por responsabilidade nossa, ao menos direta e deliberada - a sensação de culpa só vem aumentar desnecessariamente o sofrimento.
Embora o conceito de risco tenha ajudado a compreender melhor o processo mórbido, e seja útil na prevenção, é de se questionar possíveis abusos, mesmo que bem intencionados,  beirando discriminação, intolerância e terrorismo.  Facilmente encontramos aí os chamados fatores de risco comportamentais ligados à obesidade, sedentarismo, tabagismo e adição ao álcool ou outros produtos causadores de dependência.
Não que se deva ignorar a importância do desvio de comportamento na exposição aos fatores de risco, mas sua determinação cultural e social precisa ser estudada, informada, discutida, e seriamente considerada na programação de qualquer intervenção preventiva. É provável que grande parte da sensação de culpa, e mesmo dos insucessos dos programas de saúde pública estejam relacionados com essa falha. Nossa cultura se satisfaz com a responsabilidade do indivíduo na busca do nexo causal, o que se expressa também na conhecida busca de um bode expiatório em outras circunstâncias.
É muito mais fácil jogar a culpa nos indivíduos do que reformar a sociedade e mexer com as estruturas de poder e de interesses que produzem uma distribuição desigual de fraquezas humanas e lucram com sua exploração, até usando recursos e estratégias tecnológicas e de mercado cientificamente embasadas.
Se ao menos a pergunta fosse “porque conosco?”...
Recém realizou-se no Rio de Janeiro uma conferência mundial sobre Determinação Social de Saúde e Doença. É possível que se contemplássemos os males que nos afligem sob novo paradigma, os que sofrem não teriam seus males reforçados ao assumirem culpa sozinhos, e poderíamos alcançar maior sucesso em nossas pretensas ações preventivas.

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