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Saturday, March 07, 2020

Cordão Umbelical

Em homenagem à minha mulher - Dra. Valderês, às AMICOR e todas as mulheres vai um texto do século passado, quando minha mãe faleceu
Cordão Umbelical

Aloyzio Achutti. 

                Em tempos quando a genética parece tudo explicar e quem sabe resolver, no caminho do genoma humano, quando um dos cromossomas já se encontra totalmente mapeado, e as maravilhas da engenharia genética já se acumulam a cada dia que passa, poderia parecer que o papel da mãe fosse o de uma simples estação de troca, num processo em que tudo já viesse predeterminado.
                Não é bem assim. O pesquisador Inglês P. Barker ensina ser o útero mais importante do que os genes, sugerindo que os destinos são traçados no caminho que vai do ventre ao colo materno.
                Sabendo da enorme quantidade de genes disponíveis no momento da geração humana, a maior parte deles jamais  utilizada, pode-se dizer que originalmente nossa chance de sermos todos muito mais parecidos é muito maior, e que a grande diferenciação se faz pela seleção materna, através das circunstâncias nas quais se vive durante o período em que dela se é dependente, de sua nutrição alimentar e afetiva.
                A escolha dos recursos genéticos que devem ser ativados ou preservados depende dela, não através de um processo racional e consciente, mas de códigos modulados pelas suas circunstâncias, comportamento e afetividade. Assim se explicam não somente os dotes de cada um, mas também  fragilidades e também propensões para doenças.
                O pai, em geral entra como contribuinte direto somente na formação do banco genético original, mas depois só indiretamente, na medida de sua influência sobre a mãe.
                As teorias  satisfazem na medida em que servem para explicar os fenômenos observados, ou para revelar  as etapas ocultas dos processos  já em andamento, mas a preocupação agora não se restringe à etiopatogenia da ateroesclerose, da cardiopatia isquêmica, da hipertensão arterial ou da doença cerebro-vascular. Trata-se de pensar na mãe quando se a vai perdendo.
                É como se enquanto presente, ela fosse a grande biblioteca na qual se pudesse a qualquer momento  buscar nossas referências, mesmo não o fazendo. Agora queimada, só restam as cinzas da memória. Do período crítico no qual ela exerceu sua função de matriz não se pode ter consciência, mas encontram-se arquétipos e marcas bem definidas na cultura de todos os povos, respeitando a mãe, mesmo que não valorizando adequadamente a mulher.
                Se a mãe está intimamente ligada à vida de cada indivíduo, está também necessariamente ligada à morte, por ser esta a estratégia básica de renovação e manutenção da vida da própria espécie. Quando ela morre fica bem claro que nossas referências pessoais são temporárias e estão definitivamente perdidas, garantindo a biodiversidade. O projeto da vida vai muito além dos limites da vida do indivíduo e só tem sentido quando integrado no grande projeto humano, de cujo início só restam mitos e o futuro se perde no curto horizonte da perspectiva.
                É  muito provável que ao perambular pelos frios corredores do mundo científico eu esteja evitando  mostrar meu umbigo, sinal de uma ligação tão íntima, determinante de minha identidade e de meu caminho. Da ruptura do cordão umbelical restam apenas laços afetivos, além da cicatriz aparentemente ridícula e que parece não ter sentido nenhum...


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