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Saturday, May 16, 2020

Contágio e Controle

Artigo que enviei para ZH e não foi publicado
CONTÁGIO E CONTROLE
Aloyzio Achutti. Médico

Nas últimas três décadas do século passado andei pela mídia envolvido com prevenção de doenças crônicas e não transmissíveis (não contagiosas). Até então os objetivos de saúde pública focavam quase que só doenças infecciosas e parasitárias, saúde materno-infantil e desnutrição. Os demais problemas passaram a ser valorizados em todo o mundo somente a partir da divulgação de dados populacionais mostrando que as outras doenças não eram somente “privilégio” de gente rica. Por aqui, começamos na década de 70 tentando controlar uma cardiopatia iniciada na idade escolar a partir de bactérias da garganta - portanto com início infectocontagioso, e evolução cardiológica, crônica e não transmissível - facilitando sua aceitação pelos sanitaristas da época. Seguiu-se com tentativa de controle do fumo, hipertensão, diabete, sedentarismo, câncer, etc...
Apesar do deslumbramento da descoberta dos germes e da vacina no século 19, e dos antibióticos no século passado, ficava o controle de doenças limitado àquelas nas quais um potencial culpado era identificado. A complexidade das outras doenças sem um agente causal conhecido, tornava difícil sua abordagem.
No clima da atual pandemia, e contemplando já de longe minha história, senti-me obrigado a retomar o assunto, reconhecendo também ter havido deslumbramento em nossas conquistas, não devendo menosprezar qualquer fator que ponha em risco a vida e sua qualidade.
A dimensão ecológica não pode ser ignorada: por dentro de nós mesmos (micro bioma), e por fora, mergulhados no meio ambiente, com todos os seres com que coabitamos, inclusive humanos. Ressurgem os germes e tomamos progressivamente consciência de um terceiro grupo de doenças, já comprometido com os dois anteriores: as doenças provocadas pelo próprio homem “man-made-diseases”.
Pode parecer lúgubre, falar nisso nessa hora, mas como conclui John Cairns (abordando saúde pública, biologia molecular, câncer e perspectivas para nossa espécie) em seu livro “Assuntos de Vida e Morte” (1997), isso não é mais preocupação para longo prazo, é o destino da geração de nossos netos. Sensação de perigo, perda de poder e frustrações desencadeiam reações de rebanho (contágio) e tribalismo (perda de solidariedade), e compromete-se a sobrevivência de nossa própria espécie. Ficam profundas marcas neuropsiquiátricas, com consequências para o resto do organismo e da população. Estresse, ansiedade, modificações do caráter, da sociabilidade, inveja, ódio, voracidade, agressividade, dependência, depressão, infelicidade, etc... Vacinas, antibióticos, outros remédios, respiradores, e intervenções cirúrgicas ou genômicas não resolvem. Nem quarentena adianta. Dependemos uns dos outros, de nosso próprio comportamento, de nossa sensibilidade, e do relacionamento mútuo

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